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CNI

A vacina contra o Custo Brasil

Por Agência CNI de Notícias - Publicado 23 de fevereiro de 2021

Ajuste fiscal ajudaria a elevar a confiança dos investidores

O início da vacinação contra a Covid-19 começa a reduzir as incertezas sobre a economia brasileira, mas, mesmo com a imunização em massa, a retomada de um crescimento mais vigoroso do Brasil não virá espontaneamente. Será preciso, ao mesmo tempo, adotar medidas para retomar o ajuste das contas públicas, avançar na discussão das reformas estruturais e implementar políticas de estímulo a novos investimentos. 

"A vacinação em massa vai garantir um retorno seguro ao trabalho”, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes, em 25 de janeiro, ao participar de entrevista para divulgar os dados da arrecadação de tributos em 2020. “A vacinação em massa é decisiva; fator crítico para o bom desempenho da economia”, argumentou. No mesmo evento, Guedes reforçou a importância das reformas para melhorar o ambiente de negócios e a necessidade de acelerar as privatizações e simplificar a tributação.

"Vamos limpar a pauta. As propostas para destravar a nossa retomada estão lá no Congresso Nacional. Temos o desafio de transformar a recuperação cíclica baseada em consumo em uma retomada sustentável baseada em investimentos", disse o ministro.

Na avaliação da equipe econômica, a escolha de aliados para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, respectivamente Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), vai contribuir para o avanço das reformas.

Entretanto, segundo João Carlos Marchesan, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), é também “hora de o país estruturar uma política moderna de industrialização” que permita incorporar novas tecnologias da indústria 4.0. “Os fortes estímulos oferecidos em alguns países, a exemplo do anunciado nos Estados Unidos, poderiam nos favorecer pelo lado externo, mas ações direcionadas à reindustrialização do país seriam bem-vindas”, afirma ele.

“Não basta uma única ação. Entendo que são necessárias diversas ações combinadas, mas primeiramente é preciso enfrentar o desafio imposto pelo teto dos gastos e abrir espaço no orçamento para investimentos em infraestrutura e estímulos ao desenvolvimento tecnológico”, defende Marchesan. A ampliação de investimentos públicos, ainda que pequena, pode resultar em efeitos positivos relevantes no Produto Interno Bruto (PIB) devido ao seu efeito multiplicador na economia, afirma o dirigente.

Na área educacional, segundo Rafael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), as mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho exigem maior qualidade na educação e mudanças na matriz curricular do ensino médio, com ampliação da formação técnica. “Existe uma quarta revolução industrial e o Brasil tem enormes desafios para responder. Precisamos melhorar a qualidade e produtividade do trabalho e do sistema educacional. Isso passa pela ampliação da educação técnica”, sugere Lucchesi.

 Reformas necessárias

O economista Carlos Lopes, do banco BV, afirma que a principal lição da crise é a necessidade de aprovar com celeridade as aguardadas reformas estruturantes. “Muitas das reformas feitas lá atrás, como a trabalhista e a da Previdência Social, deram ao país um colchão de confiança dos investidores internacionais para atravessarmos esse momento. A lição que fica é a necessidade de continuar avançando”, argumenta.

Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma que “um dos grandes desafios do país para 2021 é o reequilíbrio das contas públicas e a manutenção do teto de gastos”. Segundo ele, “o ajuste fiscal ajudaria a elevar a confiança dos investidores e a reduzir as pressões sobre os juros, além de aumentar a capacidade de investimento do Estado. Um passo decisivo nessa direção seria a aprovação de uma reforma administrativa, que racionalizasse os gastos públicos e melhorasse a qualidade dos serviços prestados à população”.

Enviada ao Congresso Nacional em setembro do ano passado, a reforma administrativa é uma das prioridades de Arthur Lira na Câmara dos Deputados. Antes de ser eleito, ele afirmou seu desejo de votar a proposta ainda no primeiro trimestre. Entre as mudanças previstas no serviço público estão o fim da estabilidade para a maioria das carreiras e a revisão de benefícios, como licença-prêmio e progressão de carreira baseada apenas em tempo de serviço. As regras, que também precisarão ser votadas no Senado Federal, valerão apenas para novos servidores, depois de promulgado o texto.

Na avaliação de Robson Andrade, também é fundamental buscar a redução efetiva do Custo Brasil, o que requer, sobretudo, a realização de uma reforma tributária ampla.

“Felizmente, ao longo dos últimos anos, cresceu a percepção de que não podemos mais adiar essas mudanças. A implantação de um sistema de arrecadação de impostos mais simples, eficiente, sem cumulatividade e alinhado às boas práticas internacionais aumentará a competitividade das empresas e estimulará investimentos na produção”, avalia o presidente da CNI.

Para Carlos Lopes, do banco BC, “o Custo Brasil vai muito além de uma tributação complexa e uma burocracia elevada”. Segundo ele, “há muitos problemas que compõem esse custo, como um judiciário ineficiente, insegurança jurídica, problemas de infraestrutura e volatilidade política”. 

Tributária perde ritmo

Na avaliação do cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, com a troca de comando na Câmara dos Deputados, a reforma tributária deve andar num ritmo mais lento no primeiro semestre, uma vez que estava muito associada à imagem de Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-presidente da Casa. “As reformas mais estruturais, porém, demandarão intensa negociação e podem ficar para um segundo momento. A agenda no campo econômico deverá ser aquela mais pontual, imediata”, prevê.

Diante disso, as discussões das duas propostas de reforma tributária mais adiantadas, as Propostas de Emenda Constitucional 45, da Câmara dos Deputados, e 110, do Senado Federal, devem ser retomadas somente a partir do segundo trimestre. Contudo, para Renato da Fonseca, gerente-executivo de Economia da CNI, há atualmente um maior consenso sobre a necessidade e as linhas gerais da reforma tributária. “Hoje, estamos em um momento importante: uma reforma que está quase sendo consensual. Infelizmente, o governo insiste na CPMF. Seria muito interessante se o governo, que tem uma proposta boa nos tributos federais, trabalhasse nisso com o Congresso”, sugere Fonseca.

“Existe um grupo de deputados querendo fazer as reformas, que começaram no governo Temer. São os mesmos deputados que fizeram um trabalho notável durante a crise, que souberam ler o que estava acontecendo”, diz Fonseca.

Segundo ele, “a reforma tributária é a mais importante por afetar diretamente a competitividade da indústria”. 

O advogado tributarista Fábio Brun Goldschmidt afirma que a importância da reforma tributária pode ser resumida no fato de o Brasil possuir, hoje, um dos mais complexos sistemas tributários do mundo. “Pagar impostos, além de ser caro em termos de base e alíquota, é caro em obrigações acessórias”, explica o especialista. “Existe um montante de burocracia exigido que é absolutamente incomum e incomparável com qualquer país desenvolvido”, critica Andrade. Segundo ele, a reforma deveria reduzir a praticamente zero a tributação sobre produção e circulação, concentrando a carga tributária no consumo. “Com isso, teríamos a extinção da não cumulatividade e seus pesados custos de gestão e insegurança”, explica o advogado. 

Para José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), a reforma tributária é fundamental para que o Brasil volte a ter investimentos, perspectiva de contratar e também uma perspectiva de futuro. “Se não buscarmos uma convergência para a reforma o mais rápido possível, o país vai continuar paralisado e a população vai incutir ao Executivo e ao Congresso a falta de capacidade de inserir as reformas”, afirma.

Desvantagens

Ricardo Cavalcante, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), reforça que o Custo Brasil é um dos principais gargalos para a melhoria da competitividade da economia brasileira. “Sua redução deve ser uma das prioridades das políticas públicas. É necessário que as empresas brasileiras consigam se integrar às cadeias globais de valor com estrutura de custos compatíveis com os seus concorrentes internacionais”, afirma o dirigente. Para ele, “os tópicos mais relevantes a serem enfrentados são as questões trabalhistas e de infraestrutura, a complexidade tributária, a burocracia e as restrições de financiamento, tanto de capital de giro como de investimentos”, enumera.

Estudo divulgado no final de 2019 pelo Ministério da Economia estima que as empresas brasileiras gastam R$ 1,5 trilhão a mais por ano do que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em virtude do Custo Brasil. O valor agregado desse conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas do país representa 22% do PIB. Para as empresas, o maior peso está no emprego de capital humano, estimado pelo estudo em algo entre R$ 260 bilhões e R$ 320 bilhões anuais, seguido pelo custo para honrar tributos, de R$ 240 bilhões a R$ 280 bilhões.

“A agenda de reformas estruturais deve ocupar o papel central das discussões econômicas de 2021. Estas, se aprovadas, trarão significativo impacto à competitividade da economia brasileira, ampliando as oportunidades de trabalho e a geração de riquezas. A reforma tributária, por exemplo, precisa desonerar o setor produtivo e simplificar o seu processo; a administrativa deve melhorar a eficiência na prestação dos serviços públicos; e a política deve empoderar a sociedade civil”, afirma Cavalcante, da FIEC.

Inovação e pesquisa

Coordenador do Núcleo de Estudos de Conjuntura Econômica da Faculdade de Campinas (Facamp), Saulo Abouchedid destaca que “é preciso uma reforma que aponte para a progressividade e que onere menos o pequeno e o médio empresário”. Dessa forma, seria mais fácil estimular a pesquisa e a inovação, defende o especialista. Nesse sentido, o recente veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao projeto aprovado pelo Congresso Nacional, que proíbe o contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC), é um desestímulo à pesquisa e à inovação. 

O fundo é uma das principais fontes de financiamento de ciência, tecnologia e inovação no país. No final de 2020, estavam travados R$ 4,6 bilhões de recursos do fundo, que deveriam estar sendo investidos em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) realizadas por universidades, institutos de pesquisa e empresas. O veto ainda será analisado pelo Congresso Nacional, que poderá derrubá-lo. Entre 1999 e 2019, o fundo arrecadou R$ 62,2 bilhões, mas os recursos têm sido, historicamente, contingenciados pela equipe econômica.

Investir em pesquisa e inovação, diz Renato da Fonseca, da CNI, será fundamental para o Brasil ter um crescimento econômico sustentado. “Não temos tempo disponível para passar pelas fases 2.0 e 3.0 da indústria antes de chegarmos à etapa 4.0. Nós precisamos fazer o salto”, diz Fonseca. Segundo ele, isso se traduz em digitalização e investimento pesado em tecnologia. “A inovação é incentivada por todos os países, mas no Brasil temos essa deficiência. Enquanto não tivermos capacidade de competir lá fora, não vamos atrair investimentos”, avalia o especialista da CNI. 

Sem as reformas, avalia Fonseca, o Brasil não só deixa de atrair novos investimentos como perde indústrias. É o caso, por exemplo, da Ford, montadora norte-americana que, em janeiro, fechou suas fábricas no Brasil. “A decisão da Ford é baseada nas condições econômicas de cada país onde quer operar. A crise ajudou na decisão, mas a empresa também usa o ambiente de negócios para decidir”, explica.

Para Cavalcante, da FIEC, “a saída de várias multinacionais do Brasil foi influenciada por uma demanda agregada continuamente reprimida desde 2014 e acentuada pela pandemia do coronavírus”. Segundo ele, “eram indústrias com plantas que produziam para o mercado interno, pois o excesso de burocracia tributária impede maiores níveis de competitividade e eficiência de indústrias desse porte tecnológico no Brasil”.

Pesquisa divulgada pela CNI em dezembro mostrou que um dos efeitos da crise provocada pela pandemia foi a desorganização das cadeias produtivas e o aumento dos preços. “Os diferentes setores da economia foram atingidos com intensidades diferentes, o que resultou em interrupções parciais ou totais em alguns elos das cadeias”, segundo o estudo Economia Brasileira 2020-2021. “A dificuldade de se obter insumos deverá terminar no segundo trimestre de 2021, assim como a pressão sobre os preços, como resultado tanto da valorização do real como da reorganização das cadeias produtivas”.

Nesse cenário de perda de competitividade, o economista Cláudio Frischtak, sócio da Inter B Consultoria, afirma que “é preciso simplificar o ambiente de negócios e reduzir barreiras tarifárias”. “As empresas precisam de um ambiente mais aberto, mais competitivo, mais fácil de operar”, diz o consultor. Segundo ele, o Brasil precisa de uma transformação do ambiente de negócios, de maneira a estimular novos investimentos do setor produtivo e atrair capital externo. “Isso depende do Congresso e da sociedade. O ambiente que foi criado pela pandemia e pela disputa política não contribui”, afirma.

"A fronteira das boas práticas avança no mundo e todos nós temos a obrigação de pressionar por mudanças” - Cláudio Frischtak, sócio da Inter B Consultoria.

Segundo ele, o Brasil precisa de uma transformação do ambiente de negócios. “Não é que não estamos avançando nada. Avançamos um pouquinho, mas a fronteira se afasta. O grau de insegurança jurídica continua muito elevado e, em alguns aspectos, até piorou”, avalia Frischtak. Com grau de imprevisibilidade regulatória elevado, afirma ele, existe uma percepção de politização nas agências reguladoras. “O Brasil caminha muito lentamente e em alguns aspectos retrocede. A fronteira das boas práticas avança no mundo e todos nós temos a obrigação de pressionar por mudanças”, sugere.

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