Mirra: a inovação nas empresas depende de ações do Estado, construção de parcerias público-privadas |
Ele passou por vários cargos na academia. Foi pró-reitor, vice-reitor e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), presidente do Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec-MG) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Membro da Academia Brasileira de Ciências, Evando Mirra também foi presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Mirra é um dos convidados do 2º Congresso Brasileiro de Inovação na Indústria, que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) realizará de 23 a 25 de abril no Hotel Hilton, em São Paulo. Nessa entrevista à Agência CNI, ele fala dos incentivos oficiais à inovação e das vantagens proporcionadas pelos investimentos em desenvolvimento tecnológico.
Como os atuais programas voltados à inovação podem incentivar a implantação de uma nova cultura no país?
A Política para a Inovação, expressa na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), Lei de Inovação, Lei do Bem e outros programas contém um conjunto de instrumentos para alavancar a inovação nas empresas, incluindo subvenção econômica, linhas de financiamento e juro subsidiado. Essa política estabelece novos mecanismos para diminuir custos e reduzir os riscos da atividade inovativa buscando, ao mesmo tempo, promover um ambiente mais acolhedor para a cooperação entre a ciência e a indústria. Neste âmbito, avanços foram conquistados, como a criação de um conjunto inédito de instrumentos de apoio à inovação na empresa dentro da Lei do Bem, introduzindo uma novidade essencial: os benefícios têm aplicação automática. Não é preciso submeter projeto, pedir sua aprovação nem exige autorização prévia, racionalizando o processo. Basta lançar os dispêndios em Pesquisa e Desenvolvimento em contas já definidas por instrução normativa da Receita Federal, que as examina normalmente quando da fiscalização de Imposto de Renda. Além disso, a Lei do Bem possibilita que a União subvencione a remuneração de mestres e doutores nas empresas. Outro destaque está na Lei de Inovação, que trouxe a possibilidade do uso compartilhado de equipamentos e a pré-contratação de projetos de desenvolvimento das empresas com universidades e institutos de Ciência e Tecnologia (C&T). Ela altera a lei de licitações (Lei 8.666), facultando a comercialização dos resultados dos projetos de forma mais livre. Isso evita o risco real, que havia anos atrás, de uma empresa financiar um projeto e perder a licitação para a concorrente, numa situação absurda. A Lei possibilita ainda que o Estado faça subvenção econômica a empresas para desenvolvimento de produtos e processos inovadores de empresas nacionais, o que até então não era permitido.
Há como calcular o peso dos processos inventivos para o crescimento de um país?
Segundo a Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a inovação responde por cerca de 50% do crescimento econômico de longo prazo dos países industrializados. A criação de empregos e atividades geradoras de renda, o crescimento sustentável e a competitividade no cenário internacional dependem da capacidade de inovar. O foco da inovação encontra-se na empresa, mas as ações inovativas mobilizam de fato toda a sociedade, estimulam todos os níveis da educação e solicitam a capacidade de pesquisa instalada no País. Diferentes estudos, como os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sinalizam, no caso brasileiro, tendências semelhantes. O Ipea mostra, por exemplo, que existem cerca de 1,2 mil empresas brasileiras efetivamente inovadoras. Embora representem apenas 1,7% do total, geram 26% do PIB industrial brasileiro. Além disso, pagam, em média, salários três vezes maiores que aquelas que não inovam, são as que mais empregam e tendem a manter os empregados por mais tempo. Na realidade, a inovação tem impacto direto ou indireto em toda a economia, nas finanças, no quadro político e em toda a sociedade.
Quais os entraves hoje para os investimentos em inovação?
O esforço inovativo é muito recente no País. Embora casos isolados de sucesso existam há mais tempo, um movimento mais vigoroso em direção a uma cultura inovativa data apenas dos últimos dez anos. Só recentemente começamos a buscar uma política tecnológica mais próxima da agenda econômica. Estamos ainda em processo de construção de modelos mais eficazes para o financiamento adequado às empresas inovadoras, com prazos e custos compatíveis com os riscos associados (equalização), incentivos e regulação adequada ao capital de risco (venture) e fundos de equity, funding para financiamento das agências públicas etc.
Como o setor privado pode contribuir para este processo?
A agenda de inovação é essencialmente uma agenda empresarial, uma vez que é a empresa que inova. É a empresa que introduz novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo que resulte em novos produtos, processos ou serviços. Mas, para que a empresa possa inovar com eficácia, é necessário um esforço coletivo mais amplo que requer ações do Estado, construção de parcerias público-privadas e cooperação entre universidade, institutos, serviços tecnológicos e indústria. Não porque as universidades, institutos e prestadores de serviços possam fazer as inovações em nome da indústria, mas porque a cooperação alavanca os esforços das empresas, reforça externalidades positivas, amplia o uso da infra-estrutura tecnológica disponível, reduz riscos e maximiza o aproveitamento da capacidade científica e tecnológica existente.
Quais os setores que mais investem em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)?
Os últimos levantamentos da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica confirmam que, no Brasil, as atividades com as maiores taxas de inovação são de alta e média-alta intensidade tecnológica. As líderes são empresas de fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática, fabricação de material eletrônico básico e fabricação de automóveis, caminhonetas e utilitários, caminhões e ônibus. Há, contudo, um leque significativo de setores com significativa atividade de inovação, como é notoriamente o caso da Petrobras no segmento de óleo e gás, da Vale do Rio Doce em tecnologia mineral, e muitos outros.
Como o governo apóia esses setores?
Esses setores estão entre aqueles que mais utilizam os instrumentos de apoio à inovação. Em muitas mesas-redondas ouço depoimentos de empresas inovadoras que mostram que, a partir da edição desses novos instrumentos, elas puderam ampliar significativamente o seu esforço inovador. É importante ampliar o número de beneficiários dessas formas de apoio.
Há algum modelo bem-sucedido em outro país que poderia servir de base para a política de inovação do Brasil?
Não é possível aplicar diretamente no Brasil o que foi desenvolvido em outra cultura. O país precisa de um modelo próprio, que responda às suas necessidades específicas e utilize todo seu potencial. Não podemos basear nossas estratégias em um único modelo, criado para operar em outras condições e responder a outras demandas. Mas devemos, é claro, aprender com os modelos testados em outros países e seguir as melhores práticas das políticas de CT&I no mundo. Há uma rica experiência internacional e nacional, como redes cooperativas, centros compartilhados, infra-estruturas comuns, clusters e sistemas locais de inovação, que fornece elementos importantes de reflexão e sugere linhas de ação. Políticas tecnológicas e industriais precisam não apenas apoiar a capacidade de inovação das empresas, pois são veículos fundamentais para a competitividade e inserção internacional. Precisam antecipar o futuro, colaborar para o surgimento e a consolidação de uma nova geração de empresas renunciando, desde logo, à pretensão de construí-las a partir do Estado. Se é ilusão circunscrever-se às políticas de oferta, imaginando que um dia as pesquisas se transformarão em negócios, também é ilusório pensar que o suporte à inovação em moldes acadêmicos resolverá os dilemas de competitividade privada. A questão deveria ser encarada em seu terreno adequado. Trata-se de compreender as estruturas de mercados existentes e suas mudanças futuras. É preciso também entender a dinâmica da inovação e do conhecimento, num contexto de intensa interação de atores que configuram sistemas nacionais de inovação, crescentemente interdependentes do que ocorre no mundo.
O que falta para estabelecer uma política capaz de transformar produção cientifica em riqueza no país?
O formato dessas políticas de incentivo à inovação e a compreensão de sua importância avançaram bastante no país nesses últimos anos, tanto no governo como nas lideranças do setor privado. O exame da experiência internacional auxiliou muito nessa formulação. Esse avanço pautou um esforço sensível em aproximar as políticas de suporte à ciência e tecnologia da agenda econômica. Essas políticas, no Brasil, têm corte tradicionalmente acadêmico, restritas a ações de suporte à formação de recursos humanos qualificados e fomento à pesquisa, com viés nitidamente de oferta. A promoção à inovação no Brasil busca levar em conta a situação específica brasileira e o contexto econômico global. Sabemos como o cenário internacional é hoje marcado pela intensificação da interdependência econômica e pelo crescimento do comércio mundial, com grande mobilidade do capital e forte disputa pelos investimentos. É nesse quadro que observamos níveis acirrados de competitividade e a busca por nichos de mercado. A inovação é peça fundamental em todo esse jogo. Por isso, a política de inovação reconhece, em primeiro lugar, a importância da conjugação da ação do Estado com o setor privado, na busca de padrões internacionais de competitividade fundados em ações inovativas. Os estímulos a essas atividades empresariais incorporam subvenção e incentivos fiscais, cuja necessidade decorre dos riscos associados ao próprio processo, das falhas de mercado e do papel da inovação e do desenvolvimento tecnológico na elevação da produtividade.