Há grandes chances de a reforma tributária sair do papel ainda este ano. Já se passam mais de duas décadas, mas tudo indica que, agora, governo, Congresso Nacional e sociedade se entenderam sobre a urgência de se reformar o sistema tributário brasileiro para remover o maior peso do chamado Custo Brasil. A carga tributária de 33% do Produto Interno Bruto (PIB) é alta, mas o foco deve ser na simplificação. O primeiro passo, portanto, é alterar a composição da estrutura tributária, substituindo impostos ruins por outros de melhor qualidade.
No momento, estão em debate duas propostas de emenda à Constituição, uma da Câmara dos Deputados e outra do Senado, e o Poder Executivo apresentou um projeto de lei. Diante disso, a Folha, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) promovem nesta quinta-feira (30), o webinário Indústria em Debate – Custo Brasil e Reforma Tributária. O evento começa às 9h e terá transmissão ao vivo no site da Folha.
“Nossa ideia é pavimentar o caminho para o Brasil ter um sistema tributário moderno, simples, eficiente, sem cumulatividade e alinhado às boas práticas internacionais. Além disso, temos expectativas de aumentar a segurança jurídica e, sobretudo, melhorar a competitividade da economia”, afirma o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.
De acordo com o professor e pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Isaías Coelho, é absolutamente necessário rever o desenho tributário brasileiro para eliminar ou reduzir travas ao desenvolvimento econômico e social. “Entre os principais problemas que precisam ser resolvidos se destacam a tributação de bens de capital, que onera o investimento, e a tributação de exportações, via resíduos tributários e retenção de créditos acumulados, que atrapalha a inserção do país nas cadeias globais de valor”, explica.
Risco ao investidor
Além disso, o sistema brasileiro de tributação sobre consumo destoa completamente do padrão internacional, tanto dos países desenvolvidos quanto dos países em desenvolvimento. Esse descompasso dificulta a entrada de multinacionais estrangeiras, que precisam se debruçar sobre o intricado sistema brasileiro para se adaptar. E, nem sempre, essas empresas estão dispostas a gastar mais e conviver com as regras brasileiras.
Segundo estudo da CNI, o custo de instalação de uma siderúrgica no Brasil tem um acréscimo de 10,6% devido aos impactos diretos e indiretos dos tributos sobre bens e serviços. Em outros países, esse custo é muito menor. Na Austrália, por exemplo, a tributação eleva em 1,7% o custo do mesmo tipo de investimento. No México, o acréscimo é de 1,6% e, no Reino Unido, de apenas 0,4%, o que mostra a ineficiência do sistema brasileiro.
Para Sérgio Gobetti, economista e especialista em finanças públicas, a reforma tributária deve ser vista sob duas dimensões. “Do ponto de vista do setor produtivo, ela tende a corrigir essa colcha de retalhos construída há mais de 50 anos. Mas tem um ponto de justiça social e tributária. Nosso modelo é concentra a receita nas regiões mais ricas. Hoje, 42% de toda receita de ISS é concentrado no estado de São Paulo, que tem 21% da população. Vemos uma guerra fiscal insana. Esse é um modelo injusto, porque quem paga o ICMS e o ISS é o cidadão, então nada mais justo do que o imposto retorne para onde essas pessoas vivem”, analisa.
A proposta que a indústria defende
O sistema tributário brasileiro é repleto de distorções e custos desnecessários. A indústria, que enfrenta concorrência externa, está sujeita a carga tributária mais elevada do que os demais setores. Com uma participação de 20,9% na economia, a indústria é responsável por 33% da arrecadação de impostos federais e por 31,2% das contribuições ao INSS.
Para a CNI, a reforma tributária deve substituir os atuais tributos sobre o consumo (PIS/Cofins, ICMS, ISS e IPI), além do IOF, por um único Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).
O IVA deve ter alíquota uniforme para todos os bens e serviços, garantindo a igualdade na tributação sobre o valor gerado por cada setor econômico e, assim, uma distribuição mais justa da carga tributária. Além disso, o IVA deve permitir a apropriação como crédito do tributo pago em todas as compras feitas pelas empresas e devolução bem mais rápida dos saldos credores.
“Não há mais espaço para empresas e cidadãos pagarem mais impostos”
A indústria também defende que a arrecadação seja feita no destino do produto, para inibir a guerra fiscal entre os estados. O novo IVA também deve prever crédito imediato nas compras de máquinas e equipamentos, com desoneração dos investimentos.
A reforma também precisa estabelecer período de transição, dando tempo para as empresas se adaptarem e garantindo, nesse período, a manutenção dos atuais incentivos fiscais. A CNI também defende a manutenção da carga tributária global atual, a criação de instrumentos de fomento ao desenvolvimento regional e tratamento tributário favorecido para a Zona Franca de Manaus.
O termo Custo Brasil apareceu pela primeira vez num seminário promovido pela CNI em 1995. Naquela ocasião, com praticamente um ano de Plano Real, os empresários alertaram para necessidade de uma reforma tributária que eliminasse a cumulatividade de impostos. A história mostra que o problema não foi resolvido e se agravou.
Nessa entrevista à Folha, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, explica por que acredita que as mudanças, enfim, vão ocorrer e como deve ser a reforma que contribuirá para o crescimento sustentado do país.
FOLHA - Já se vão quase três décadas de debates sobre reforma tributária. O sr. avalia que chegamos a um ponto que o debate está maduro?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - A reforma tributária é imprescindível para dar mais competitividade às empresas nacionais e, consequentemente, incentivar o crescimento econômico sustentado. Perdemos muitas oportunidades de concretizar alterações nas regras tributárias desde a Constituição Federal, em 1988. As tentativas esbarraram justamente na falta de consenso entre os entes da Federação, que temiam, sobretudo, perder receitas no período de transição. Percebo que esse cenário mudou.
FOLHA - Qual deve ser a linha mestra de uma reforma tributária para o setor industrial?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - A diretriz básica é simplificar o sistema tributário e torná-lo mais racional, desonerando investimentos e exportações e reduzindo os obstáculos ao bom funcionamento das empresas. Os maiores defeitos do atual modelo são a complexidade e a cumulatividade. Os custos de se administrar as obrigações tributárias impõem uma clara desvantagem dos produtos nacionais, tanto na competição no mercado externo como interno, diante dos importados. Nossos principais concorrentes não se submetem a um sistema tão complexo e caro como o brasileiro.
FOLHA - A indústria tem preferência por alguma das reformas no Congresso?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - Para a indústria é importante que seja aprovada uma reforma ampla com a inclusão de impostos das esferas federal, estadual e municipal. Falamos de um IVA Nacional que inclua, além de PIS/PASEP e Confins, também o IPI, a IOF, o ICMS e o ISS. Ainda que não reduza a carga tributária brasileira as propostas em discussão no Congresso devem simplificar o pagamento de impostos no Brasil.
FOLHA - Qual a avaliação da indústria sobre a proposta apresentada pelo governo federal?
ROBSON BRAGA DE ANDRADE - Há pontos positivos como a mudança do atual modelo de crédito físico para o sistema de crédito financeiro, o que reduz complexidade e incerteza. Essa mudança também levará à redução da cumulatividade. Mas há alguns pontos a serem aprimorados, como garantir que a nova contribuição não resulte no aumento da carga tributária. É importante ter clareza de que não há mais espaço para empresas e cidadãos pagarem mais impostos.
A Indústria contra o coronavírus: vamos juntos superar essa crise
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