O Brasil possui diversas vantagens para ser protagonista na bioeconomia, que tem como base o uso de tecnologia 4.0 para fabricação de produtos de alto valor agregado com recursos da biodiversidade. Entre as principais está o fato de ser o país com a maior biodiversidade do mundo, com 20% de todas as espécies do planeta, e possuir um corpo científico de excelência em áreas como biocombustíveis e bioquímica. A constatação está no estudo Bioeconomia e a Indústria Brasileira, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
No entanto, o estudo destaca que essas vantagens não bastam para fazer a bioeconomia avançar de forma consistente. “Entre os principais desafios, está a construção de uma governança para a bioeconomia, que deve ser liderada pelo governo federal envolvendo diversos ministérios, indústrias, universidades e instituições de pesquisa”, afirma o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.
“Essa estrutura deve ter como prioridade a expansão do sistema de inovação voltado à cadeia da biotecnologia, com foco em produtos de maior valor agregado” - Robson Braga de Andrade.
O sentimento de urgência dessa agenda, que vinha crescendo de forma tímida, aumentou durante a pandemia do coronavírus. Por um lado, essa crise trouxe a necessidade de países reverem a dependência externa de insumos fundamentais, como extratos e reagentes para os setores farmacêutico e bioquímico. Por outro, intensificou a busca pela conservação de recursos da biodiversidade para garantir insumos e reduzir os efeitos da perda da diversidade biológica e das mudanças climáticas, principais causas de aumento de frequência de pandemias pelo mundo.
Para o Brasil, a bioeconomia traz outros atrativos a mais, entre os quais valorizar a marca biodiversidade brasileira e, consequentemente, contribui para melhorar a imagem do país no exterior. Esses fatores contribuem ainda para facilitar o ingresso do país na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o andamento do acordo Mercosul e União Europeia.
Um caminho para dar mais agilidade à agenda de bioeconomia no país, segundo o estudo, seria destinar parte dos investimentos de pesquisa, desenvolvimento e inovação em cadeias já consolidadas no Brasil como a de produtos a partir da cana-de-açúcar, como o etanol, e os de base florestal, como o papel e celulose, em que o país é dos maiores produtores mundiais.
Ter essa estrutura é um bom começo para evoluir no desenvolvimento de produtos com maior valor agregado, como bioplásticos, corantes, lubrificantes, nanofibras e fármacos. “Está na hora de planejarmos e coordenarmos uma estratégia de Estado para converter esse potencial da biodiversidade brasileira na geração de emprego e renda e aumento da competitividade da indústria brasileira”, reforça Andrade.
Apesar dos desafios, indústrias avançam em produtos de maior valor agregado
O estudo da CNI aponta que, por meio de investimentos em inovação, a cadeia produtiva de cana-de-açúcar – hoje com sete produtos consolidados – pode desenvolver ao menos outras 11 categorias de produtos. São eles: bioplásticos, corantes, ácidos orgânicos, aminoácidos, lubrificantes, fármacos, enzimas, fragrâncias, cosméticos, detergentes e solventes.
De olho nessa tendência, praticamente toda rede de 27 Institutos SENAI de Inovação espalhados pelo país tem linhas de pesquisa e desenvolvimento de produtos a partir de recursos genéticos da biodiversidade. Mais recentemente foi criada a rede SENAI de Biologia Molecular com o envolvimento de 13 institutos para disponibilizar serviços laboratoriais para diagnóstico do coronavírus. Foram investidos na iniciativa R$ 23 milhões.
Os institutos SENAI também se voltaram para a pesquisa de recursos da biodiversidade brasileira para a produção de insumos e reagentes para os setores farmacêutico, têxtil, entre outros, para suprir a carência do mercado interno.
Entre as inovações está um espessante para álcool em gel a partir da nanocelulose, desenvolvido pelo Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras em parceria com a fabricante de papel e celulose Klabin e pela farmacêutica Apoteka. O produto substitui o carbopol, derivado do petróleo que não é desenvolvido no Brasil e que faltou no mercado durante a pandemia.
O avanço de cadeias mais sofisticadas da bioeconomia, como biotecnologia e biofármacos, depende de uma estrutura consolidada em biocombustíveis, já que as tecnologias para as cadeias de maior valor agregado são uma evolução das usadas para produção de etanol de segunda geração. E esse importante passo já foi dado pelo Brasil, que é pioneiro na produção de etanol celulósico. A Granbio, criada em 2011, foi desbravadora dessa tecnologia e construiu a primeira planta em escala comercial de etanol celulósico do mundo.
Batizada Bioflex 1, a biorrefinaria converte biomassa do resíduo de cana-de-açúcar, palha e bagaço em etanol 2G. Hoje, a empresa, que conta com unidades operacionais em Barra de São Miguel (AL), tem mais de 250 patentes na área de biotecnologia industrial. Entre os avanços tecnológicos mais significativos nos últimos tempos está a produção de nanocelulose, realizada na planta da companhia nos Estados Unidos.
Formada por minúsculas partículas de origem vegetal, abundante e facilmente renovável, pode ser usada para produzir peças leves, duráveis e resistentes. Com essas caraterísticas, o composto de dispersão de nanocelulose (NDC) é a nova aposta da empresa. O produto é desenvolvido a partir de qualquer tipo de biomassa, inclusive as derivadas da cana-de-açúcar, como a palha e o bagaço.
São inúmeras as aplicações que estão sendo desenvolvidas para o uso da nanocelulose, que é considerada a partícula verde do futuro. Uma das mais revolucionárias surgiu de parceria com a companhia indiana Birla Carbon, subsidiária americana da Aditya Birla, após três anos de pesquisas. As empresas criaram um material especial, feito de nanocelulose, que substitui o negro de fumo, um derivado do petróleo não renovável.
A nova tecnologia é responsável por reduzir em até 25% a resistência ao rolamento de pneus, o que garante menor consumo de combustível pelos veículos. A indústria de pneus responde por cerca de 70% do consumo global de negro de fumo e, há alguns anos, exige materiais sustentáveis, compatíveis e que possam ser facilmente incorporados às formulações destes produtos.
O projeto NDC foi nomeado em julho deste ano, pela European Rubber Journal, como uma das dez iniciativas com maior probabilidade de melhorar o perfil ambiental da indústria da borracha. A busca pelo uso de nanocelulose em borracha ocorre em todo o mundo há anos – e a Granbio foi a primeira a desenvolver e demonstrar a solução tecnológica para obter uma dispersão efetiva na formulação da borracha.
Cosméticos com ativos da biodiversidade amazônica
Na indústria de cosméticos, o grande ícone nacional é a Natura, uma das maiores no mundo dentro do emergente mercado da bioeconomia de alto valor agregado. Desde 2000, concebe produtos que se diferenciam no mercado pelo uso sustentável dos ativos da biodiversidade brasileira.
A intenção da empresa é unir, numa mesma cadeia produtiva, a ciência de ponta baseada em bioeconomia, biodiversidade e conhecimento tradicional das comunidades da Amazônia. Os bioativos amazônicos estão na matriz da pesquisa de inovação feita em plena floresta.
Essa relação é tão orgânica que, em 2018, 81% das matérias-primas das fórmulas da Natura tinham origem vegetal, o que torna os produtos da marca singulares dentro mercado global.
A linha Chronos, que se tornou um patrimônio consolidado da empresa, passou por significativas evoluções desde quando foi criada, em 1986. Isso é resultado de pesquisas que unem alta tecnologia, biodiversidade, ética no manejo das florestas e trato com as comunidades.
Dificilmente, um consumidor em Paris ou Tóquio, por exemplo, vai encontrar hidratantes à base de fevillea (ativo da biodiversidade brasileira), que não seja no catálogo da Natura. É o caso do Chronos Acqua Biohidratante, que tem, na composição, a preciosa fevillea. Estimulante dos mecanismos naturais de produção de ácido hialurônico, sua aplicação aumenta os níveis de água nas camadas mais profundas da pele.
“Quando iniciamos uma pesquisa de inovação para desenvolver o produto, como é o caso do Acqua, começamos com as missões às florestas, onde cientistas trocam saberes com as comunidades. Entre as iniciativas operadas pelos pesquisadores, ouve-se atentamente cada história para, depois, seguir na pesquisa das propriedades de folhas, frutos e sementes”, conta a diretora de Inovação, Roseli Mello.
Brasil precisa ser ágil para aproveitar as oportunidades da bioeconomia
Os exemplos acima comprovam o potencial brasileiro para evoluir para produtos de maior valor na bioeconomia. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), Thiago Falda, o Brasil tem, pela primeira vez na história, a chance de ser protagonista em uma das agendas que deve se tornar estratégica no pós-pandemia.
“Não fomos o primeiro país a produzir o automóvel, a desenvolver a indústria química nem a de informática, mas hoje estamos na vanguarda da bioeconomia avançada”, destaca Falda. “No entanto, para despontar efetivamente como um líder global da bioeconomia, o país precisa superar entraves, sobretudo, em inovação” complementa.
O estudo da CNI afirma que, apesar de avanços que contribuem para a agenda – como a aprovação da Lei da Biodiversidade, em 2015, e a entrada em vigor em 2019 do Programa Prioritário de Patentes Verdes, do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) –, eles são pontuais.
O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, refoça: “É preciso trabalhar em todo o sistema de inovação, com foco no fortalecimento de ecossistemas voltados a setores estratégicos que permitam o país dar saltos de desenvolvimento”.
Pesquisa recente da CNI, encomendada ao Instituto FSB Pesquisa, comprova que a inovação será decisiva para acelerar a retomada da atividade e do crescimento da economia no Brasil. Dos mais de 400 líderes empresariais ouvidos, 83% afirmam que precisarão de mais inovação para crescer ou mesmo sobreviver no mundo pós-pandemia.