Rubens Barbosa tem uma trajetória profissional singular. Foi embaixador do Brasil em Londres durante as crises econômicas asiática, de 1997, e russa, de 1998, e embaixador em Washington quando um atentado derrubou as torres gêmeas de Nova York, em 2001.
Crises, portanto, não são eventos novos para ele. Até por isso, chama atenção o alerta que faz nesta entrevista. Citando estudo do Banco Mundial, Barbosa considera que “a recessão alta continuará por cinco anos e os países emergentes sofrerão mais”.
Diante disso, “precisaremos de uma política de reindustrialização com estímulos a tecnologias novas. A aprovação do 5G é urgente”, diz ex-diplomata, que atualmente preside o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e atua como consultor.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Como o senhor definiria a situação atual do comércio internacional?
RUBENS BARBOSA - A situação do comércio internacional é grave e está se deteriorando. A projeção da Organização Mundial do Comércio é de uma queda entre 13% e 32% em 2020. Entraremos numa grande recessão e o Brasil terá dificuldades para diversificar suas exportações, sobretudo manufaturas, e a agricultura tende a continuar liderando as exportações por algum tempo. De janeiro a maio, por exemplo, as commodities representaram mais de 65% das exportações do país, mas o setor também sofrerá o impacto da desaceleração global. A participação do Brasil no comércio internacional, antes da pandemia, estava em queda, chegando a 1,2% do comércio global pela perda da competitividade, sobretudo na indústria. E este ano, por causa da Covid-19, já caiu a 1,06%.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Na sua opinião, quais serão os principais impactos da pandemia na correlação de forças comerciais no mundo?
RUBENS BARBOSA - Acho que haverá impactos em três aspectos. Primeiro, nos fluxos comerciais, por causa da tendência de protecionismo e porque alguns países vão retirar parte de suas fábricas da China, como o Japão e os Estados Unidos, gerando novos fluxos de investimento em outros países. Em segundo lugar, haverá uma tendência de novos padrões ambientais, de sustentabilidade e sanitários mais rigorosos e com mais rastreabilidade, relacionados à pandemia. Em terceiro lugar, acredito que haverá mudanças nas negociações comerciais atuais, com a inclusão de cláusulas ambientais e de saudabilidade.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Como garantir que as indústrias de países em desenvolvimento não saiam mais prejudicadas?
RUBENS BARBOSA - Dependerá muito de como cada país sairá da crise. Segundo o Banco Mundial, o cenário de comércio internacional indica um crescimento muito baixo, a recessão alta continuará por cinco anos e os países emergentes sofrerão mais. No Brasil, precisaremos de uma política de reindustrialização com estímulos a tecnologias novas. A aprovação do 5G é urgente porque favorecerá a inteligência artificial, a robotização, a Internet das Coisas e a modernização da indústria. Segundos dados da CNI (Confederação Nacional da Indústria), nem 2% da indústria estão no nível 4.0, situação muito desfavorável em termos competitivos.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Como o governo poderia estimular o crescimento e a competitividade?
RUBENS BARBOSA - O governo está tomando medidas emergenciais para ajudar grandes, médias e pequenas empresas, mas é preciso pensar em médio e longo prazo. Não é só uma questão empresarial, mas social, porque envolve empregos. Acho que na pós-pandemia haverá nacionalização de produtos como materiais e equipamentos médicos – setor que deve ser apoiado pelo governo, entre outros. Acho que o governo deveria se concentrar em startups ou em empresas modernas, que usam tecnologias e biotecnologias avançadas que favoreçam a eficiência e a competitividade no comércio internacional.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - De acordo a CNI, o acordo comercial entre o Mercosul e a Coreia do Sul prejudicará 51 setores no Brasil. Qual é a sua opinião sobre essa parceria?
RUBENS BARBOSA - O governo atual tem uma política de liberalização e abertura da economia. Acordos com a União Europeia, o Canadá, Singapura e a Coreia do Sul estão dentro dessa linha. Na saída da crise vamos ter que examinar esses acordos com cuidado. Não apenas no acordo com a Coreia do Sul, mas em todos os acordos temos que defender os interesses da indústria.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - No setor eletroeletrônicos no Brasil, por exemplo, como superar as dificuldades do acordo com a Coreia do Sul?
RUBENS BARBOSA - O governo quer negociar isso dentro da perspectiva de abertura gradual. As empresas têm que defender seus interesses. Os setores que se julgam afetados teriam que fazer uma lista de produtos mais sensíveis para entrar na última fase de abertura, colocando alguns deles em lista de exceção. Mas não deveria ser fechado todo um setor por cerca de 15-20 anos – tempo para ser implementado um acordo comercial em toda as fases. O setor petroquímico, por exemplo, não poderia ficar 100% fora da abertura. Deveria ser definida uma lista de produtos produzidos no Brasil para um período de proteção, com tempo para se modernizarem e se ajustarem às novas demandas do mercado. Os produtos mais afetados deveriam ficar na última cesta de liberalização, mas é importante, paralelamente, o governo apoiar a agenda de competitividade, o que inclui, entre outras, as reformas tributária e do Estado, a desburocratização, a simplificação e o investimento em infraestrutura.
A Indústria contra o coronavírus: vamos juntos superar essa crise
Acompanhe todas as notícias sobre as ações da indústria no combate ao coronavírus na página especial da Agência CNI de Notícias.