Primeira pessoa da família a ingressar na universidade, Júlia Alves Santos, de 23 anos, pensava em cursar Direito quando estava no ensino médio. Contudo, em 2016, quando teve contato com aulas de robótica, começou a traçar outro destino pessoal e profissional.
“A robótica foi a melhor coisa que escolhi fazer no ensino médio. Sem ela, hoje eu estaria num caminho totalmente diferente”, conta.
Atualmente, ela é estudante do quinto semestre do curso de Engenharia de Energias Renováveis na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A jovem entrou na unidade do Serviço Social da Indústria (SESI) de Sobradinho (DF) no 2º ano do ensino médio. “Quando fui para lá, a escola ainda era muito nova e não tínhamos equipe, apenas aulas de robótica. Essas aulas nos motivaram a montar a Bisc8, primeira equipe de robótica da escola”, lembra Júlia, filha de pai analfabeto e mãe que estudou até a terceira série do ensino fundamental.
“Quando as aulas começaram, me interessei pelas competições e pela possibilidade de aplicar conceitos de física numa atividade prática. Isso me deixou encantada”, afirma.
“A robótica me colocou em contato com programação, com engenharia e com pesquisa. Isso abriu meus olhos e decidi fazer engenharia”, explica Júlia, que hoje trabalha com programação e atua como pesquisadora na área de energias renováveis. Ela conta que uma das coisas que chamaram sua atenção nas atividades de robótica foi a possibilidade de desenvolver um projeto que, além de permitir a construção de um robô, buscasse também a solução para um problema real. “Vi que poderia juntar várias aptidões, vários talentos, em uma coisa e trabalhar nisso”, diz.
O primeiro projeto desenvolvido pela Bisc8, lembra Júlia, foi uma casa automatizada para cachorros que ficam a maior parte do tempo sozinhos. “Fizemos um estudo de campo para entender o que os animais sofriam e poder resolver o problema. Durante o desenvolvimento do projeto, percebi diversos hábitos errados que tínhamos em casa. A pesquisa me levou a mudar meu relacionamento com os animais e passei a automatizar coisas em casa”, conta. Essa experiência despertou nela o gosto pela pesquisa, hoje focada no desenvolvimento de programas para aumentar a eficiência de painéis solares.
Mais do que ensinar conceitos técnicos, as atividades de robótica promovidas pelo SESI por meio de competições entre os estudantes contribuem com o desenvolvimento socioemocional e preparam os jovens para o mercado de trabalho, destaca Rosi Carvalho, presidente do Comitê Nacional de Avaliação.
Técnica de uma das primeiras equipes de FIRST LEGO League Challenge (FLL) do Brasil, numa escola pública de Canoas (RS), Rosi diz que o trabalho em equipe proporcionado pela robótica desenvolve diferentes habilidades nos estudantes, preparando-os melhor para o mercado de trabalho.
“Eles conseguem desbravar melhor a vida profissional ao estimular o trabalho em equipe e o desenvolvimento de um projeto de verdade”, comenta Rosi, que preparou entre 50 e 60 alunos de equipes de robótica entre 2003 e 2010.
Segundo ela, a robótica ajuda os participantes das competições em qualquer carreira que eles queiram seguir. “Tenho certeza de que esses jovens ocuparão espaços em profissões que ainda nem existem”, prevê. Isso, segundo ela, porque os projetos sempre têm como objetivo resolver problemas da vida real.
“Tanto as aulas quanto as competições de robótica têm como objetivo despertar nos estudantes o interesse pelas áreas STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática) e desenvolver as competências socioemocionais”, complementa Lucchesi.
Em Lagoa Grande do Maranhão, por exemplo, alunos do Centro de Educação do Campo Roseli Nunes, localizado num assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), usaram a robótica para aprimorar os trabalhos de pesquisa científica na área de sustentabilidade e agroecologia. Composta por seis estudantes, a equipe Roselitec desenvolveu um projeto sobre a produção de energia elétrica a partir do biogás sustentável das fezes de ruminantes. O resultado foi apresentado durante o Torneio SESI de Robótica FLL em São Luís, na primeira semana de fevereiro.
Maria Leomar Pereira de Sousa, gestora geral da escola, conta que a equipe foi criada em 2022, após a participação de alunos na primeira Feira de Ciência e Inovação do Estado do Maranhão, que reuniu estudantes da rede pública. Segundo ela, a robótica deu visibilidade ao campo como lugar de produção e de construção de conhecimento.
“O trabalho desenvolvido pela equipe mostrou que as comunidades tradicionais, que residem em assentamentos, também podem aproveitar a robótica na resolução de problemas locais”, afirma ela.
Comunicação e liderança
Estudante do SESI de Altamira (PA), Maria Eduarda do Espírito Santo de Oliveira, de 13 anos, entrou na equipe de robótica da escola em junho de 2022, depois de ter se destacado nas aulas online durante a pandemia, conta Claudia Jackeline, sua mãe.
“Maria Eduarda passou a ter mais compromisso com os estudos. Ela era muito tímida e hoje melhorou muito a questão da comunicação, a sistematização de conteúdo e o desempenho geral na escola, com melhor aproveitamento do tempo. Antes ela ficava meio reclusa, fechada e, com a escola, conseguiu melhorar a interação e suas habilidades emocionais”, diz
Maria Eduarda explica que a robótica a tem ajudado em vários aspectos, além da comunicação.
“Consegui organizar melhor meu tempo para estudar e aprendi a ter mais responsabilidade. Espero que a robótica me ajude a trabalhar na área de design, com a qual mais me identifico hoje”, comenta.
Técnico da equipe, o professor Valdinei Silva do Nascimento, que treina grupos de robótica há seis anos, afirma que o mais importante não é a escolha profissional dos estudantes, mas os valores trabalhados durante as atividades. “Tenho alunos que, depois de concluírem o curso, foram trabalhar na área rural e estão felizes”, conta.
Genésio Oliveira, pai de Maria Eduarda, espera que o conhecimento adquirido por ela nas atividades de robótica possa ajudá-la no desenvolvimento de projetos que beneficiem a sociedade, como o protótipo de um minigerador de energia de baixo custo elaborado pela RoboFox, equipe da filha. A ideia é que esse minigerador produza energia para comunidades afastadas (indígenas e ribeirinhas).
A família de Genésio vem de uma região de nativos da etnia Mariocay. O minigerador funciona através da força da água de pequenos igarapés ou fios d'água. A energia gerada poderá ligar uma ou duas lâmpadas, e até mesmo carregar pequenos aparelhos eletrônicos que possuam bateria.
Ex-aluno do SESI na Bahia, Levi Andrade Santana, de 24 anos, ressalta o objetivo social nos desafios enfrentados pelas equipes durante os torneios. Em 2014, quando competiu, sua equipe desenvolveu um sistema de drenagem para evitar alagamentos em Salvador durante o período de chuvas.
Graduado em engenharia elétrica – escolha feita a partir do conhecimento adquirido nas atividades de robótica, em que também atuou como juiz e mentor –, ele afirma que as habilidades relacionadas à gestão desenvolvidas durante a competição são importantes para liderar uma equipe de 30 profissionais na empresa na qual trabalha atualmente.
“Participar dos torneios foi fundamental para a minha profissão. Tudo tem a parte elétrica, como faz funcionar, de onde vem a energia para mover os robôs, o que exige muitos cálculos. Foi aí que comecei a criar gosto pela área de tecnologia”, afirma Levi.
Além do conhecimento técnico, que muda ao longo do tempo, ele destaca os valores que são trabalhados durante as competições, o relacionamento na equipe e entre equipes e as estratégias adotadas. “Aprendemos a trabalhar com as diferenças e trazemos isso para a nossa vida pessoal e profissional”, diz Levi, que pretende voltar a atuar como juiz em competições de robótica neste ano.
Levi Andrade Santana, durante uma competição ainda na adolescência no SESI da Bahia e hoje, após a graduação em engenharia elétrica, elogia o papel social dos desafios propostos às equipes durante os torneios.
“Significa participar de uma equipe, conhecer pessoas, pesquisar e aprender constantemente. Os valores que a gente carrega e aprende nos transformam em pessoas melhores”, diz ela, cuja irmã, Emily, é a atual mentora de sua equipe, composta apenas por meninas.
“Programar e construir robôs é uma coisa maravilhosa”, afirma Rebeca Heringer Cotulio Lima, de 13 anos, integrante do time.
Foi exatamente para permitir que outros jovens tivessem essa experiência que Wellingthon Matte, de 20 anos, estudante de engenharia elétrica no Paraná, criou a Osiris, uma equipe de garagem (sem vínculo com uma escola). “Criar uma equipe foi a maneira que encontrei de retribuir um pouco do que que tive no passado, fazendo a mesma coisa por outras pessoas e dando a elas as mesmas oportunidades que eu havia tido”.
Segundo ele, a robótica foi um grande aprendizado para a vida pessoal e profissional.
Arnaldo Ortiz Clemente, há três anos no Comitê de Avaliação Nacional da FIRST Lego, afirma que outro ponto importante das competições de robótica é propiciar uma visão de futuro profissional e acadêmico.
“Esses jovens já saem com uma ideia do que pretendem seguir como carreira porque puderam, antes, desenvolver suas aptidões”, explica ele, que defendeu tese de doutorado intitulada “A utilização da Robótica como ferramenta de motivação e formação profissional em Ciências Tecnológicas” na Unicamp, em 2022. Segundo ele, essa prática ajuda a reduzir a evasão na universidade.
Clemente argumenta, ainda, que essa visão beneficia todos os estudantes, e não apenas os integrantes das equipes vencedoras. “Diversas habilidades que desenvolvi nas competições de robótica são válidas até hoje”, diz Lucas Trambaioli, que participou da competição em 2006 e, atualmente, é pesquisador no Departamento de Neurociência na Harvard Medical School, onde fez pós-doutorado na área.
“Quando participei, estava super empolgado e confiante, mas não ganhamos nada. Pensei em desistir, mas aprendi, nas atividades de robótica, que não deveria abrir mão do meu sonho de ser pesquisador. Dedicação e persistência foram um legado para mim”, conta Clemente.