De todas as corridas que o engenheiro mecânico Cleison Xavier, 30 anos, já participou - e não foram poucas -, a de trainee do Magazine Luiza foi, sem dúvida, a mais desafiadora e da qual ele mais se orgulha. “Quando eu ouvi falar, senti que era pra mim. O coração acelerado, fiquei arrepiado”, lembra.
Tradicionalmente concorrido, o processo teve recorde de inscritos depois de toda a repercussão por ser uma seleção exclusivamente para negros, com o objetivo de ampliar a diversidade da empresa. Uma corrida com 22,5 mil competidores.
Para se ter uma ideia, um dos maiores vestibulares do Brasil, o da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), registrou 154,6 candidatos por vaga para o curso de medicina. No trainee do Magalu, a proporção foi de 1.184. As atividades na empresa começaram dia 11 de janeiro e, questionado sobre os colegas e o processo seletivo, ele diz, admirado, que ouviu histórias de garra, persistência e mérito.
Ao falar de si mesmo, o tom muda, ganha humildade, como se ele tivesse passado por uma sucessão, natural, de acontecimentos. Mas bastam alguns minutos de entrevista, que começa com a sua “breve trajetória”, para entender porque ele foi um dos 19 selecionados. Experiências e lugares que, em suas palavras, formam a “bagagem” que ele carrega para o resto da vida.
Mudanças marcam trajetória
Natural de Ouro Preto, onde passou a infância e adolescência, Cleison Xavier traçou um caminho de altos e baixos, com decisões movidas pela inquietação que o tiraram da rota. Literalmente. Ele parecia consolidar sua carreira em Minas Gerais, quando percebeu que queria e poderia mais.
Em 10 anos, estudou e trabalhou em sete cidades diferentes. Fez intercâmbio na Inglaterra, voltou para Minas, morou em Divinópolis e em Belo Horizonte, mudou para São Paulo e, nos últimos meses, ao passar no processo seletivo mais comentado do país, virou notícia e capa de jornal.
Essa trajetória começou no curso técnico de metalurgia, em Ouro preto, e teve uma etapa determinante: a aprendizagem em Mecânica de Manutenção Industrial do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
Conhecimento técnico é diferencial no Baja e no estágio
De assistente administrativo concursado da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), ele virou calouro de Engenharia Mecânica na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Na faculdade, após mais um processo seletivo concorrido, integrou e coordenou a equipe da instituição no Baja, competição internacional em que os estudantes projetam e constroem carros off-road.
“O SENAI foi um divisor de águas. O curso era totalmente prático e eu aprendi a soldar e usar máquinas como torno, fresa e plaina. Foi aí que me apaixonei por mecânica e quis cursar. Esse conhecimento me ajudou em outros processos e me fez conseguir a vaga no Baja”, acredita Cleison Xavier.
Ele só abriu mão das atividades do Baja - um dos maiores orgulhos do currículo, que rendeu participação em torneios regionais e nacionais e “bons rumos” - quando começou no estágio em Lavras, a cerca de 100 km, na empresa Ciclope componentes automotivos. Como estagiário, mais uma vez, ele tinha o conhecimento do curso técnico e de aprendiz como um diferencial.
Em menos de um ano, surgiu a oportunidade de fazer um curso de inglês na Universidade de Portsmouth, na Inglaterra. Com uma bolsa de 50%, o dinheiro do estágio e o apoio da mãe, aproveitou os seis meses do intercâmbio de línguas para cursar algumas disciplinas extracurriculares e conhecer alguns países.
Educação continuada
Voltando para o Brasil, concluiu a graduação e começou a trabalhar em Divinópolis nas empresas Renault e AmbientAR, de refrigeração. Sem a motivação que esperava, decidiu tentar o mestrado em Belo Horizonte, na área de energia e sustentabilidade.
A tese, que deve ser entregue em março deste ano, é um simulador aplicativo/site para uso de energia híbrida, solar e eólica, em sistemas de refrigeração. “Às vezes, a gente aprende coisas que pensa que não vai usar, mas conhecimento nunca é demais. Sempre vão existir possibilidades de aplicar o que você aprendeu”, reflete.
No início de 2020, um projeto novo surgiu e o mineiro não pensou duas vezes. O summer acadêmico do Itaú, para alunos de mestrado e doutorado, tinha duração de apenas três meses, mas ele acabou ficando em São Paulo. Um trabalho bem diferente, com dados, analytics e automatização de processos.
Foram alguns “pit stops” antes de o mineiro entrar para a empresa que ele - e o próprio presidente do Magalu - acredita que tem tudo para ser o ponto de chegada na carreira. Em entrevista à Folha de São Paulo, o presidente da gigante varejista, Frederico Trajano, garantiu que a empresa tem “uma safra de grande potencial e probabilidade de sucesso no plano de carreira”.
O objetivo final é que eles virem gerentes, diretores e presidentes da companhia ou de subsidiárias. Serão 12 meses, começando com a integração. Os trainees passam alguns dias em lojas do Magazine Luiza e depois tem o job rotation, em que transitam entre as áreas.