Avanços tecnológicos, envelhecimento da população, mudanças climáticas e reorganização das cadeias produtivas têm impactado a vida em sociedade, a dinâmica do trabalho e a economia. Para debater o desenvolvimento sustentável e a competitividade do Brasil nesse cenário de constantes e aceleradas transformações, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) promoveu o Seminário Internacional de Educação Profissional.
O evento, realizado nesta quinta-feira (23) com o tema Qual o papel da educação profissional para a neoindustrialização brasileira?, contou com parceria do Instituto Federal de Educação Profissional da Alemanha (BIBB) e o Canal Futura. Entre os palestrantes, estavam representantes do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), do Banco Mundial, da Unesco, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), dos ministérios da Educação (MEC) e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), da Confederação Nacional da Indústria (CNI), e de empresas e instituições de ensino internacionais.
Como a economista sênior do Banco Mundial Josefina Posadas destacou, mais de 55% dos empregadores na América Latina acham que a força laboral mal preparada é uma das maiores barreiras para crescimento. Ao compartilharem experiências nacionais e internacionais, os participantes mostraram cinco maneiras de a educação profissional contribuir para o desafio de mão de obra qualificada e a retomada da indústria no país. São elas:
1 - Transformação digital
O líder de projetos do WEF Attilio Di Battista apresentou o relatório Future of Jobs 2023, que mostra que big data e inteligência artificial são as tecnologias com maior impacto nos empregos nos próximos cinco anos. As mudanças no mercado de trabalho vão exigir que 44% dos profissionais do mundo se requalifiquem.
“No Brasil, apesar de as empresas terem boa expectativa de adoção de tecnologias, em alguns casos até mais que os pares internacionais, elas estão menos comprometidas com treinamento dos colaboradores”, ponderou Attilio.
Dos entrevistados, 61% esperam incorporar tecnologias de saúde e cuidado, por exemplo (47% no cenário internacional), 46% esperam adotar novos materiais (29% globalmente), mas só 19% querem focar na requalificação de seus trabalhadores (frente a 28% globalmente).
A incorporação das tecnologias e a requalificação dos trabalhadores devem caminhar juntas, reforçou Frederico Lamego, superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI. “Com tantas mudanças, a questão que fica é ‘haverá empregos?’. Junto ao Fórum Econômico Mundial, coordenamos aqui no Brasil, por meio do SENAI, uma aceleradora de competências que tem como objetivo agenda de requalificação olhando tendências digitais”.
2 - Sustentabilidade
Para o diretor-geral do SENAI, Gustavo Leal, o Brasil tem potencial para liderar o crescimento dos empregos verdes no mundo: “Se há espaço para pensar a neoindustrialização aqui é nas áreas ligadas à energia e à biodiversidade. Somos um país competitivo nesses segmentos e podemos crescer mais que a média mundial”.
Ele lembrou que o SENAI é uma instituição que sempre teve no seu DNA a indústria mais "hard", com cursos de metalmecânica, por exemplo, mas, “cada vez mais, as demandas nos levam para o mundo da biologia, da genômica, de como utilizar microrganismos da nossa biodiversidade em processos industriais e produtos. São nessas áreas em que devemos ter maiores investimentos”.
A bioeconomia e as energias renováveis são áreas que vão criar empregos diretos, mas, como a economista do Banco Mundial Josefina Posadas observou, “temos os empregos verdes, mas há habilidades verdes que serão demandas em diferentes ocupações”. Sendo assim, as escolas técnicas vão ter que não só criar novos cursos, como também mudar os currículos das formações que já existem.
Sobre a transição verde, o relatório Future of Jobs, apresentado pelo Attilio di Battista, traz uma visão mais otimista por parte das empresas brasileiras: 25% consideram habilidades verdes essenciais (16% globalmente), 67% acreditam que habilidades verdes estão ganhando cada vez mais importância (51% globalmente) e 30% estão focados em ter fundos para requalificar seus trabalhadores em habilidades verdes nos próximos cinco anos (21% globalmente).
3 - Aproximação empresa-escola
Ao detalhar o relatório do Banco Mundial Building Better Formal TVET Systems: principles and practice in low and middle income countries, Josefina Posadas defendeu que um sistema de educação profissional bem-sucedido deve focar nas empresas e nos alunos. Isso significa ser mais orientado à demanda do setor produtivo, inclusive explorando vocações regionais, e empoderar os alunos, ao permitir que eles descubram e desenvolvam suas aptidões.
Iniciativas na Alemanha, na Suíça e no Brasil atestam a tese. Na Suíça, 2/3 dos jovens fazem educação profissional, contou Erik Swars, head de Assuntos Internacionais da Universidade Federal da Suíça para Educação Profissional (SFUVET). Os estudantes passam três a quatro dias por semana nas empresas e um a dois dias nas escolas vocacionais. “Parcerias público-privadas são elementos importantes. Tudo é baseado na cooperação entre confederações, autoridades regionais dos cantões e setor privado. Não há iniciativa ou decisão de cima para baixo”, contou.
Na Alemanha, os resultados do modelo dual se refletem no baixo índice de desemprego entre os jovens: apenas 4,4%. Diana Cáceres-Reebs, gerente de Projetos da América Latina do BIBB Alemanha, reconhece que o país tem uma economia forte e diversificada, mas a formação profissional é fator-chave para a empregabilidade da juventude. “Uma em cada cinco empresas dá formação profissional dual, sendo 2/3 dessa formação diretamente na empresa e 1/3 nas escolas profissionalizantes. Depois que terminam, os jovens são contratados”.
Douglas Pereira, vice-presidente de Recursos Humanos da Volkswagen, trouxe um caso pioneiro no Brasil, de escola de formação profissional dentro da empresa. Em parceria com o SENAI, a fabricante já formou mais de 7 mil alunos em 50 anos. "Estar dentro da empresa permite a prática no ambiente organizacional que enriquece muito o conhecimento. Nossa escola de formação tem aprendizagem, pós e cursos técnicos de Mecatrônica, Eletroeletrônica, Mecânica, Elétrica, Manutenção, Logística e Ferramentaria", listou.
4 - Novas habilidades
O Fórum Econômico Mundial monitora, junto às empresas, as habilidades técnicas e socioemocionais mais demandadas. Neste ano, destacaram-se as habilidades cognitivas: pensamento analítico; criatividade; liderança e influência social; resiliência, flexibilidade e agilidade; curiosidade e aprendizado ao longo da vida; motivação e autoconsciência; empatia e escuta ativa.
Uma curiosidade que o representante da organização destacou é que, no Brasil, flexibilidade, resiliência e agilidade são as mais valorizadas: 72% dos entrevistados brasileiros acreditam que essas habilidades devem estar no cerne do treinamento - percentual bem acima do internacional, de 50%.
5 - Política pública
"Não teremos neoindustrialização se não tivermos esforço de todos os atores relevantes. É um grande desafio, porque o Brasil sofre a mais grave desindustrialização precoce do mundo”, alertou Felipe Machado, secretário-adjunto de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do MDIC. Citando o exemplo da Coreia do Sul, que deu um salto de desenvolvimento social e econômico, ele falou de duas frentes de investimentos, em educação e nas políticas industriais.
Acreditando que as duas precisam caminhar juntas, a pasta recriou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), com 20 ministérios, incluindo o da Educação; fez um comitê de qualificação para o Novo PAC - “uma das preocupações é se a gente não vai se deparar com muitos gargalos de mão de obra, então o objetivo é antecipar as demandas para conseguirmos entregar os projetos”; e lançou o novo Brasil Mais Produtivo, em que o SENAI tem papel fundamental.
Novo Brasil Mais Produtivo vai aumentar competitividade das indústrias, diz presidente da CNI
Ainda sobre as políticas nacionais, Patrícia Barcellos, diretora do MEC, reconheceu a necessidade de expansão da educação profissional e tecnológica no ensino médio e integrada à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Ela destacou dois projetos em andamento: o Profissionais do Futuro, com a Agência de Cooperação Alemã, a GIZ; e o estudo para implementação de cursos técnicos em bioeconomia na Amazônia Legal, com BNDES e SENAI.
Da Suíça, veio um bom exemplo de programa de financiamento do governo federal com os cantões, que incentivam as empresas a investirem nas habilidades digitais e verdes de seus empregados. “É um financiamento para cursos práticos. Temos mais de 3 mil empresas na iniciativa, que recebem investimento por participante e por aula. É um projeto muito importante para as pequenas e médias empresas”, complementou Erik Swars, da SFUVET.