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Equidade é para homens e mulheres, diz pesquisadora Maiara Liberato

Por Agência CNI de Notícias - Publicado 14 de março de 2025

Especialista defende a inclusão como estratégia essencial para inovação e crescimento


Em um cenário onde a diversidade, equidade e inclusão (DEI) ainda enfrentam desafios estruturais, Maiara Liberato se destaca na transformação do ambiente corporativo. Pesquisadora, palestrante e CEO da consultoria EQWETI, ela tem dedicado sua trajetória a promover mudanças significativas na forma como empresas lidam com a equidade de gênero.

Com mais de duas décadas de estudo sobre relações de gênero, Maiara acredita que a equidade só será alcançada quando homens e mulheres forem incluídos no processo de transformação. Seu trabalho vai além de discursos inspiradores, por meio de metodologias ativas e estratégias personalizadas, ela ajuda organizações a enxergar a inclusão não como uma obrigação, mas como uma oportunidade de crescimento e inovação.

Ao longo de sua carreira, Maiara tem impactado diversas empresas e instituições, mostrando que iniciativas eficazes não apenas fortalecem a cultura organizacional, mas também impulsionam a produtividade e a competitividade no mercado. Seu compromisso é claro: transformar a equidade de gênero em um pilar estratégico e sustentável para as organizações do futuro.

Para a Agência de Notícias da Indústria, Maiara Liberato compartilhou sua visão sobre equidade de gênero e os desafios da inclusão no ambiente corporativo. Leia a entrevista na íntegra:

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA: Como você começou a trabalhar com diversidade de gênero nas empresas?

MAIARA LIBERATO: Já pesquiso e estudo as relações de gênero há mais de duas décadas. Como sou jornalista, além de pesquisadora e empresária, a minha intenção era trabalhar com esse tema na mídia, quando chegasse à terceira idade, para ajudar as pessoas a se relacionarem melhor, a terem mais bem-estar mental, emocional e relacional. Havia tomado essa decisão em 1999.

Não entendia a dificuldade que as pessoas tinham em se relacionar, em conviver com o outro que pensa/sente/age diferente, além das condutas sexistas, machistas, racistas, discriminações por territorialidade, dentre outros aspectos.

No início dos anos 2000, não havia espaço para esse tema nas organizações. Após mais de 20 anos, sobretudo durante a pandemia, o assunto veio à tona e percebi que estava na hora de começar a trabalhar o tema com foco em educação corporativa, com uma visão, abordagem e experiência diferenciada em relação ao que o mercado trabalha.

O mercado foca em diversidade e inclusão, a partir da correção das assimetrias dos grupos sub-representados em direitos, geralmente mulheres, pessoas pretas e pardas, LGBTQIAPN+ e PcD. Atualmente, se começa a falar sobre geracionalidade.

Mas, o meu ponto de vista é que equidade é para homens e mulheres. Existem assimetrias de outras naturezas que afetam os homens, inclusive os brancos, com impactos na sociedade e no mundo laboral, que são invisíveis e invisibilizadas. Enquanto todos não forem contemplados, não há equidade e nem avanços proporcionais aos recursos investidos.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA: Quais são as primeiras medidas que uma empresa pode tomar para promover um ambiente mais inclusivo?

MAIARA LIBERATO: Haver uma decisão da alta hierarquia de que a Inclusão faz parte da cultura da empresa, a partir deste momento; ter uma comunicação clara, interna e externa, de que essa é uma prioridade da organização; capacitar e engajar as lideranças para promover o tema com seus times, a partir de diversas ações, são algumas medidas simples e eficazes.

Se a empresa for de maior porte, sugiro a contratação de uma consultoria especializada para estruturar uma área de DEI, fazer o censo demográfico e de pertencimento, construir um código de ética, estruturar canais de denúncia e suporte a casos de assédio, formar grupos de afinidades para trabalhar as temáticas, criar um calendário anual de eventos e ações. Nada disso dará resultado ou fará sentido, se a alta liderança não estiver à frente do processo, pois serão necessários investimentos, sejam eles recursos financeiros, humanos ou de outra natureza.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA: O que empresas pequenas, com poucos recursos, podem fazer para serem mais inclusivas?

MAIARA LIBERATO: Equidade, diversidade e inclusão é sobre pessoas. Toda empresa, mesmo pequena, contrata pessoas. O primeiro ponto é:

a) ter respeito pelo outro independente de gênero, cor e outras variáveis;

b) ter a atenção em relação à representatividade no quadro laboral, nos momentos de contratação. Isso contribuirá para entender melhor o comportamento dos consumidores, inovar e captar mais clientes;

c) ter a atitude de envolver o time, perguntando o que eles percebem de problemas na empresa e que soluções propõem;

d) pagar salários e benefícios equivalentes para todas e todos;

e) trabalhar a cultura da empresa, resolvendo tensões e conflitos, e responsabilizando os colaboradores que agirem em desconformidade;

f) investir em treinamentos e capacitações, pois somente a educação, operada em diversas frentes e ações, resultará em reflexão (individual e coletiva), autocrítica, autoconhecimento, autorresponsabilização e novo comportamento.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA: Como a diversidade de gênero impacta a produtividade e a cultura organizacional?

MAIARA LIBERATO: Inúmeros estudos mostram os benefícios da equidade, diversidade e inclusão para as organizações.

Uma pesquisa da UFPA (ONU), realizada em 2017, fez uma projeção de que se houvesse mais equidade de gênero, agora em 2025, o PIB global teria um incremento de 20 trilhões de dólares. Naquele ano, o PIB global era de U$ 28 trilhões, ou seja, haveria um aumento de mais de 71%, em sete anos.

Um estudo realizado em 60 países, pela consultoria Lee Hecht Harrison (LHH, 2018) mostrou que empresas que adotam políticas de DEI, aumentam cerca de 21% do lucro, 30% a mais de mulheres na liderança aumenta em 15% a rentabilidade, equipes diversas e inclusivas aumentam cerca de 6% a receita e captam 15% a mais de clientes, além de inovarem mais em produtos e serviços, e levar a empresa a acessar novos mercados.

Um outro estudo da consultoria McKinsey (2021), trouxe o dado de aumento de 30% no PIB brasileiro, se houvesse maior equidade de gênero. E os estudos não param por aí.

Só que veio a pandemia, e o tempo para o alcance da equidade de gênero, que era de 99,5 anos antes da pandemia, segundo o Fórum Econômico Mundial, passou para mais de 135 anos após a pandemia, segundo a ONU.

Toda vez que acontecem mudanças no mundo, quem primeiro perde direitos são as mulheres. Como mudar esse cenário? Outro ponto é que como temos uma forte herança da cultura patriarcal, e os homens não vêm sendo trabalhados dentro dos programas de DEI nas empresas, mesmo com tantos ganhos listados acima, o número de assédios tem aumentado muito.

76% das mulheres (11,9 milhões) sofreram, ao menos, um tipo de assédio no trabalho, enquanto o percentual de homens foi de 15% (Instituto Locomotiva e Patrícia Galvão, 2020). Só em 2024, mais de 46% das mulheres sofreram assédio no ambiente laboral. Mais de 70% dos assédios têm os homens como autores (TST, 2024), ou seja, não há como não incluir os homens nas políticas de DEI.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA: Como é a aceitação dos funcionários em relação às iniciativas de diversidade de gênero?

MAIARA LIBERATO: É interessante notar o impacto e a mudança de visão das pessoas após um trabalho que realizo, e como homens e mulheres se sentem representados. É um trabalho de expansão de consciência e entendimento, com uma fundamentação lógica, científica, embasada e que faz paralelo com as vivências diárias das pessoas.

Nós, que trabalhamos com educação, temos que desenvolver narrativas e metodologias que incluam as pessoas, fazendo-as se sentir parte do processo, enquanto estamos interagindo.

Vou trazer dois exemplos que aconteceram comigo, dentro da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB).

Em 2023, fiz a palestra do Dia da Mulher, em Salvador. A informação que tinha recebido era que o auditório não enchia, que as pessoas não ficavam até o final das palestras e que eu não me preocupasse com isso. O auditório não só encheu, como ficou com muita gente em pé até o final, e um dos colaboradores homens que assistiu à palestra e trabalhava na superintendência veio me parabenizar, agradecendo por se sentir contemplado e por eu trazer luz a questões que não são vistas nem discutidas.

Esse colaborador chegou na casa dele e comentou da minha palestra com a esposa, que trabalha em uma multinacional, e eu recebi uma ligação dela, sinalizando que era a terceira vez naquela semana que o marido falava da minha palestra em casa. O resultado? Ela me contratou para palestrar para as oito unidades da empresa no país e já fiz um segundo trabalho com ela.

O segundo exemplo é que procurei o SENAI CIMATEC com objetivo de entender como fazer transferência de tecnologia e licenciar uma patente de produto que tive aprovada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e, ao conhecer a minha empresa e os produtos que trabalho, fui convidada por um gestor para ser incubada lá, algo que não estava nas minhas prioridades.

O que ele me disse foi que desejava que as startups incubadas ali já saíssem do nascedouro com a visão que abordo, que é diferente da discutida no mercado e que contempla todas e todos.

Aceitei o convite, abri uma startup de educação corporativa, a EQWETI (em alusão à Gender Equity), estou finalizando a incubação no CIMATEC Salvador (BA) agora em abril, e já fui selecionada para duas acelerações, uma com o Sebrae e outra com a Wayra, braço de inovação e tecnologia do Grupo Telefónica, já tendo sido contratada, neste mês de março, para fazer duas entregas.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA: Você já encontrou resistência dentro das empresas? Como lida com isso?
MAIARA LIBERATO: A maior resistência que há nas empresas é o entendimento e envolvimento dos homens, sobretudo da alta hierarquia, nas temáticas de Equidade, Diversidade e Inclusão.

Equidade é para homens e mulheres. Enquanto os homens não se virem como parte do processo e enxergarem as opressões que sofrem (que são muitas) e, consequentemente, perpetuam, vamos avançar muito pouco. Avançamos em discussões, agendas e programas, mas as mulheres são, apenas, 2,4% das CEOs no Brasil, segundo uma pesquisa da Deloitte de 2023.

Os números nos mostram que há algo desconectado em tudo isso. A ordem dos recursos investidos – financeiros, humanos, científicos e tecnológicos – é desproporcional aos resultados alcançados. A ONU trabalha há 25 anos com essa temática, em 193 países, inicialmente com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e agora com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS).

Por que os resultados são tão díspares, se considerarmos gênero e etnia? Por que não repercutem na alta hierarquia das organizações? Porque os homens não estão incluídos nesse processo!

Outro ponto é que as organizações não veem esse tema como estratégico e destinam pouco provisionamento de verba, ou nenhuma, para trabalhar temas dessa natureza. A alta liderança não costuma ver como prioridade, mas esse cenário está começando a mudar.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA: Quais são os maiores desafios que você enfrenta no seu trabalho?

MAIARA LIBERATO: O maior desafio que enfrento é desenvolver um trabalho que tenha continuidade dentro das organizações. A maioria das empresas investe em ações pontuais, que são importantes, marcam datas comemorativas, sensibilizam, suscitam discussões e despertam as pessoas para o tema. Mas, ação pontual não muda cultura, muito menos comportamentos enraizados.

Para isso, precisamos de um trabalho educativo e preventivo, contínuo e consistente, a médio e longo prazos, atuando com metodologias ativas e reflexivas, onde as situações vividas no dia a dia façam parte do conteúdo trabalhado, para que as pessoas tenham maior compreensão e se apropriem daquele conhecimento e experiência, para aumentar o seu repertório e entendimento, e promover as mudanças necessárias.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA: Como garantir que as políticas de diversidade de gênero sejam realmente eficazes e não apenas uma formalidade?

MAIARA LIBERATO: Para serem eficazes, as políticas de DEI devem vir da decisão, envolvimento e engajamento da alta hierarquia organizacional. O princípio dos trabalhos nesta área deve ser revisitar a visão e o modelo patriarcal que estruturou homens e mulheres, instituições e sociedade, com diferentes pressões e opressões para todas e todos, e avaliar o que deve ser mantido e o que ser revisto e mudado, pensando no bem-estar de todas as pessoas da organização.

Envolver todas e todos, sem discriminação, ouvindo os próprios colaboradores sobre as questões que os acomete é uma ação estratégica e necessária. Eles são os melhores consultores para falar sobre os problemas internos da organização.

Trabalhar as necessidades de cada grupo de afinidade e as interrelações entre eles é necessário, pois mulheres, pretos e pardos, LGBTQIAPN+, PcD, ninguém vive isolado. Os conflitos estão nas relações.

Porém, defendo, dentro da perspectiva que trabalho, o princípio de que o trabalho em diversidade precisa começar pela equidade de gênero e suas interseccionalidades (cruzamento entre gênero, etnia e classe socioeconômica, além de outras variáveis), pois as mulheres representam metade da população global e nacional, porque a primeira segregação que houve na história foi a de gênero, e porque dentro de todas as categorias sub-representadas – gênero, etnia, LGBTQIAPN+, PcD, geracionalidade, territorialidade – ainda assim, há a subdivisão em homens e mulheres.

Maiara Liberato estará presente no evento de lançamento da Política de Diversidade, Equidade e Inclusão com a palestra 'Mulheres, saúde mental e mundo do trabalho', que acontece às 10h nesta quinta-feira (13/03), na sede da Conferência Nacional da Indústria (CNI).

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