Felipe resolveu pesquisar novas formas de combater o mosquito Aedes aegypti. Por meio da literatura, ele encontrou o araçazeiro
O número de casos de dengue aumentou de forma alarmante em 2022. Segundo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, houve um crescimento de 189,1% nos casos de janeiro a setembro, em comparação com o mesmo período do ano passado. Até 5 de setembro, 1,3 milhão de pessoas foram infectadas pelo mosquito.
Felipe Silva Sacramento, de 19 anos, já foi uma dessas vítimas. Ao perceber que a falta de saneamento básico da sua cidade poderia ser um agravante para a proliferação do mosquito, ele resolveu criar, em 2019, uma solução para esse problema que afeta tantos brasileiros.
“Resolvi pesquisar novas formas de combater o mosquito Aedes aegypti. Por meio da literatura, nós encontramos o araçazeiro”, conta.
A planta, encontrada de Norte a Sul do país, tem o nome de origem tupi guarani e significa “fruto que tem olhos”.
O jovem, que faz curso técnico de biotecnologia no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) CIMATEC, Bahia, sob orientação da professora de química, Jamile Caldas, garantiu o primeiro lugar da Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec) na categoria de ciências dos animais e das plantas. Além disso, receberam um certificado de excelência em pesquisa, da Associação Brasileira de Incentivo à Ciência (ABRIC) e vão participar, em 2023, da Taiwan International Science Fair (TISF), na China.
Por que a folha do araçá?
Felipe faz parte do Bioativos, grupo de iniciação científica do Serviço Social da Indústria (SESI) Bahia. O objetivo do grupo é criar soluções para problemas reais, mas usando produtos naturais. Daí o nome Bioativos, compostos que proporcionam benefícios para a saúde e estão presentes em diversos alimentos.
“A nossa abordagem social é trabalhar com o que nós temos em casa, trabalhar com insumos locais e naturais”, destaca Jamile.
A fruta foi escolhida porque, além da abundância na região, o araçá possui uma série de substâncias chamadas de metabólitos secundários, que são bioativos. Lembra dos bioativos? Pois é, o araçá possui essas propriedades, inclusive antimicrobianas.
Com o apoio dos agentes de endemia da prefeitura de Salvador, eles conseguiram as amostras e iniciaram o processo de pesquisa no Laboratório SESI e na Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Com a folha do araçá eles realizaram testes bioquímicos para verificar as substâncias contidas ali e depois fizeram testes de eficiência para saber se o líquido combateria o mosquito e o resultado foi próximo a 100% de eficácia.
Produção do extrato
Para a produção do extrato são utilizadas três substâncias: água, algum tipo de álcool e a própria folha do araçá. O líquido não é tóxico, diferente dos vermicidas tradicionais que só devem ser usados por agentes de endemias, e pode ser produzido em casa, sem risco à saúde de pessoas ou animais.
“O líquido extraído vai ser aplicado em recipientes com água parada para matar as larvas do mosquito e também as bactérias do meio, tornando a água mais limpa do ponto de vista microbiológico”, explica o estudante.
Nos testes, para combater as larvas, a cada 10 mililitro de água, eles aplicaram cerca de duas gotas de um mililitro de extrato. Agora, eles vão realizar testes de toxicidade para saber se a água, após o uso do extrato, ainda pode ser consumida ou utilizada e vão dar início as aplicações in loco, ou seja, nos locais com foco de dengue.
Como o extrato mata a larva?
O extrato vai atuar de três formas para matar as larvas:
1. A sua primeira ação vai impedir a respiração da larva. Imagine um tanque com água parada, as larvas precisam subir até a superfície para conseguir obter oxigênio, por meio de uma estrutura chamada sifão. O extrato vai reduzir a tensão superficial, o que vai impossilitar que a larva se mantenha na superfície e capte oxigênio.
2. Vou começar explicando o que é microbiota...assim como nós, seres humanos, as larvas também possuem microbiotas, que nada mais é que um conjunto de microrganismos, como as bactérias. Esses microrganismos ficam ali no intestino e ajudam na digestão, fortalecimento do sistema imunológico e produção de vitaminas. Com as larvas funciona do mesmo jeito, elas vão se alimentar de resíduos ali do meio, esses resíduos têm bactérias que vão direto para o intestino delas, fornecendo nutrientes e ajudando o processo de digestão. Aí entra o extrato, que com sua ação antibacteriana, elimina as bactérias do meio e enfraquece a microbiota intestinal delas.
3. A terceira ação é a mais direta de todas. O extrato de araçá possui três substâncias: os flavonoides, os ácidos fenólicos e saponinas. Eles conseguem entrar nas células da larva e quebrar a estrutura de proteínas, que são necessárias para desempenhar funções biológicas. Sem isso, a larva morre.
Você deve estar se perguntando “mas isso não afeta as nossas células?”. O Felipe explica que nós, humanos, temos uma proteção de queratina na pele que nos protege desse tipo de ação. Isso explica, por exemplo, porque o álcool em gel elimina vírus e bactérias, mas não mata a curto prazo as nossas células.
Fim da reação em cadeia
Aquela larvinha da água parada vai formar uma pupa (casulo) antes de se transformar em mosquito. As fêmeas são o grande problema, porque elas são hematófagas - traduzindo, se alimentam de sangue - e é aí que começa a reação em cadeia. As fêmeas pousam nas pessoas para captar sangue e transmitem o vírus, que pode ser dengue, chikungunya, zika ou febre amarela.
“Com o extrato do araçá nós barramos esse ciclo, porque inativamos as larvas, não há formação de mosquito e as doenças não vão ser mais propagadas”, destaca Felipe.
“Tem pessoas que moram em regiões de difícil acesso e que os agentes não conseguem entrar pela questão da violência na comunidade e o trabalho deles não é permitido de ser realizado. Pensar que esse material pode ser feito por eles mesmos me dá esperança e orgulho por ter sido feito aqui no SESI”, relata.
Já o jovem cientista destaca a importância da iniciação científica no país. Ele fala que na sua participação na Mostratec as pessoas procuravam pelo seu projeto, buscando ajuda e solução.
“Eu só entendi o meu papel nessa pesquisa quando eu estava na Mostratec. Ali, a ficha caiu que a ciência, realmente, tem um impacto poderoso na vida das pessoas, o impacto de ajudar e fico muito feliz de estar sendo aquele que realiza esse processo científico para ajudar as pessoas”, declara Felipe.