Dos 61 anos de Jairo Barbosa, 25 foram como vendedor de peças de automóvel em uma concessionária da Fiat. Há um mês, ele era um dos convidados da pré-estreia do filme Nosso Sonho no Cine Odeon – o único espaço de cinema remanescente da histórica Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro.
A sessão foi a oportunidade de ver, em primeira mão, o resultado de um trabalho que começou há um ano e meio com centenas de profissionais renomados do mercado audiovisual brasileiro.
Jairo e alguns colegas da turma de Fotografia do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) participaram da pré-produção do filme que conta a história da dupla Claudinho e Buchecha.
Foi no Centro de Referência do Audiovisual da Firjan SENAI Laranjeiras que a equipe do longa metragem afinou o roteiro e planejou tudo que antecede o início das filmagens, como orçamento, equipamentos, locações e elenco.
“Tivemos um andar voltado para a produção do filme. Eles ocuparam salas e nosso auditório foi palco de leituras iniciais do roteiro. Foi minha primeira turma de fotografia após a reinauguração da unidade, em 2022. Depois que começaram a filmar, ainda tive alunos que acompanharam e fotografaram no set”, lembra o professor Vantoen Pereira Junior.
Um resgate à autoconfiança
Jairo Barbosa ficou com a missão de captar a concentração e emoção dos atores nas primeiras leituras do roteiro, momento que contou com presenças ilustres, como a do ator Antônio Pitanga e do próprio Claudinho.
Desenvolver a técnica e a sensibilidade para esse novo trabalho e, principalmente, reconstruir a autoconfiança daquele que foi “o melhor vendedor de peças da Fiat” por duas décadas não foi fácil. Nascido e criado em uma comunidade de Botafogo, ele fez seu primeiro curso de fotografia, ministrado pelo Vantoen, em 2017.
“Meu sonho era fotografar. Na época, eu não tinha muito recurso. Tive dificuldade de aprender, até chorei”, lembra, agora estampando um sorriso.
“Mas o professor é um grande professor, e tive muito apoio, dele e dos alunos. Depois de muito esforço e estudo, comecei a trabalhar, mas queria me aperfeiçoar mais, aprender mais. Como diz o professor, não pode parar né.” Com esse lema, ele já concluiu outros dois cursos do SENAI depois da pandemia, um pago e outro gratuito.
Da prática para a teoria
Quem também leva a frase a ferro e a fogo é o colega Chrys Cameron. Por cerca de seis meses, ele se dividiu entre a graduação de manhã, o curso de operador de câmera à tarde, no SENAI do Maracanã, e a turma de fotografia na unidade de Laranjeiras à noite.
Apesar de ter começado a trabalhar na área há oito anos, ele reconhece que os cursos deram uma guinada na carreira, principalmente pela valorização do empreendedorismo na grade.
“Em 2017, abri minha produtora. Já trabalhava fazendo eventos e fotos corporativas, casamento, workshops, aniversários, etc. Fazia de tudo: produzia as clientes, fotografava e editava as fotos. No SENAI, tive o conhecimento técnico, somei teoria e prática. Aqui também conheci minha sócia, montamos um estúdio em Vila Isabel”, celebra.
Durante as gravações do Nosso Sonho, Chrys teve a chance de fotografar os atores nas tomadas externas: “Foi a primeira produção que pude acompanhar num set de filmagem, contemplei a grandiosidade, foi uma experiência impecável. O professor tem esse olhar pós-curso, ele nos deu a oportunidade de estar dentro desse mercado, que tem suas dificuldades”.
Também por indicação de Vantoen, o jovem de 27 anos emendou outro trabalho, no making of do longa Mallandro O Errado Que Deu Certo, sobre o comediante Sergio Mallandro, ainda sem data de estreia.
A ponte para o mercado audiovisual
Aproximar os alunos do mercado da indústria criativa é possível graças à dedicação dos próprios estudantes e de profissionais com longa trajetória, como Vantoen e Leonardo Edde, vice-presidente da Firjan e sócio fundador da Urca Filmes, que produziu o filme do Claudinho e Buchecha. Segundo a gerente operacional da unidade, Joselaine Rampini, já foram seis filmes pré-produzidos no Centro de Referência do Audiovisual.
Mesmo com 46 anos no mercado audiovisual ao lado de grandes nomes – o tio do Vantoen Zózimo Bulbul foi ator e diretor do Cinema Novo, movimento da década de 1960 –, o professor de fotografia não perde o entusiasmo com os novos talentos. “Temos que reconhecer o potencial do aluno e incentivar, dar oportunidade”, resume Vantoen, mostrando orgulhoso as fotos dos alunos.
Quando Claudinho e Buchecha cantaram “Nossa história vai virar cinema e a gente vai passar em Hollywood”, eles não imaginavam que seria o enredo de tantas pessoas. “É a história de vários adolescentes que moram em comunidades do Rio, que é o perfil de muitos dos nossos alunos”, observa Joselaine.
Jairo é testemunha disso. “O filme é apaixonante e conta um pouco da minha vida. Quando a gente é da comunidade, tudo é sonho, e o importante é realizar. Tem que correr atrás, estudar e realizar”, aconselha.