Na sexta-feira (14), o governo federal entregou o trecho de 51 quilômetros da rodovia BR-163 que liga Miritituba a Novo Progresso, no Pará. A obra de pavimentação foi concluída no final de novembro pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e pelo Exército, e vai facilitar o escoamento da soja e do milho produzidos no Centro-Oeste do país.
Com a entrega formal realizada na semana passada, agora faltam 57 quilômetros – trecho que liga Mirituba à Santarém, também no Pará – para que a BR-163 esteja completamente asfaltada. Conhecida como a “Estrada da Soja” por atravessar os 3 Estados maiores produtores do grão – Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul –, a BR-163 se tornou exemplo da lentidão do poder público para finalizar obras de infraestrutura. A construção da rodovia começou há mais de 40 anos, na década de 1970.
O Dnit afirma que falta de recursos e problemas de gestão e de performance em contratos provocaram o atraso. Levantamento divulgado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2019 mostrou que fatores técnicos e financeiros estão entre os principais motivos para a paralisação de obras públicas no país. O tribunal avaliou mais de 38 mil contratos e verificou que 37,5% deles apresentaram baixa execução nos 3 meses anteriores à análise. Essas obras representam investimento de R$ 144 bilhões. “As consequências desse problema vão muito além dos recursos desperdiçados e são extremamente nocivas para o país. Entre outros efeitos negativos, podem ser citados os serviços que deixam de ser prestados à população, os prejuízos ao crescimento econômico do país e os empregos que não são gerados”, diz o TCU no relatório da Auditoria Operacional sobre Obras Paralisadas.
No caso da BR-163, os cálculos dos prejuízos provocados pelo atraso foram feitos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em estudo realizado em 2012, a entidade avaliou que a conclusão das obras poderá fazer o Brasil economizar até R$ 1,4 bilhão com o transporte de cargas.
A pavimentação da rodovia também vai ajudar a desafogar portos das regiões Sul e Sudeste, que acabam recebendo e exportando a soja produzida em Mato Grosso. De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Estado produziu 32,5 milhões de toneladas da leguminosa na safra 2018/2019, sendo responsável por cerca de 33% da produção nacional. A soja colhida na cidade mato-grossense de Sinop, por exemplo, poderá agora ser exportada via porto de Mirituba, no Rio Tapajós, reduzindo em até mil quilômetros o trajeto de caminhão na comparação com os portos das regiões Sul e Sudeste.
“Uma obra parada é um custo para toda a sociedade. Há a deterioração do que já foi feito e há também o fato de que o objetivo central da obra não é atingido. Muitas das obras que estão paradas buscam aumentar a eficiência da economia brasileira. São obras de geração de eletricidade, de hospitais e de construção de estradas importantes, como era o caso da BR-163”, explica Wagner Cardoso, gerente-executivo de infraestrutura da CNI.
Para a entidade, a solução do problema passa pelo aumento dos recursos destinados à infraestrutura. Atualmente, o país investe menos de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) na área, percentual que corresponde à metade dos investimentos feitos por países como China e Rússia. “A gente acredita que o aumento dos investimentos privados pode reduzir os atuais gargalos de infraestrutura, principalmente nas áreas de saneamento básico e de administração portuária”, defende Cardoso.
Um dos setores estratégicos da infraestrutura nacional que precisa de atenção do poder público é o ferroviário. Estudo da CNI de 2018 mostra que mais de 30% da extensão de trilhos ferroviários do país estão inutilizados e 23% sem condições operacionais. Os números, calculados com base em dados oficiais da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), revelam o retrato atual da operação da malha ferroviária, que é marcada por deficiências, baixa concorrência no mercado e dificuldades de interconexão das malhas. Esses problemas são fruto, principalmente, das características dos contratos de concessão firmados na década de 1990.
O gerente-executivo de Infraestrutura da CNI avalia a medida mais viável para recuperar o setor é a prorrogação antecipada dos contratos de concessão, de forma que as concessionárias passem, a partir da renovação, a serem obrigadas contratualmente a reservar uma parcela da capacidade instalada da ferrovia para compartilhamento e a investir valores pré-estabelecidos na melhoria e ampliação das malhas. “Não renovar os contratos significa prolongar pelos próximos dez anos o reduzido volume de investimento e, consequentemente, os gargalos e trechos saturados disseminados no sistema ferroviário, congelando a atual capacidade de transporte das ferrovias do país”, afirma Wagner Cardoso.
Outro ponto importante defendido por empresários para aprimorar o setor é a regulação do direito de passagem. Essa modalidade permite que uma concessionária trafegue na malha de outra para dar prosseguimento, complementar ou encerrar uma prestação de serviço. Na prática, a detentora das operações de um trecho poderia transitar ou entregar cargas na malha administrada por outra companhia. Atualmente, apenas 8% da produção ferroviária corresponde a cargas de compartilhamento. “As renovações devem ser condicionadas em contrato ao direito de passagem e a ampliação da malha”, sugere o gerente da CNI.
Imprescindíveis para as exportações, os portos brasileiros e seus acessos carecem de melhorias para que o país ganhe competitividade no cenário internacional. A CNI propõe que o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal dê prioridade às privatizações das companhias docas, órgãos responsáveis pela administração dos portos.
Cardoso alerta que as companhias públicas, em geral, têm sérios problemas de gestão e pouca capacidade de investimento. Ele defende também que o setor público dê agilidade ao processo de arrendamento dos portos organizados. Atualmente, 55% dos terminais arrendados estão com contratos vencidos. A sugestão é que o governo priorize a conclusão das definições das poligonais e enfrente a questão da judicialização em relação a terminais que estão com contratos vencidos, funcionando amparados por liminares. “Esta situação gera insegurança jurídica e inviabiliza a realização de novos leilões“, diz Wagner Cardoso.
Saneamento nem tão básico
Lançado em 2007 pelo extinto Ministério das Cidades, o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) estabeleceu que até 2033 o país deveria universalizar o acesso à rede de água e de esgoto. Faltam 13 anos para o prazo ser atingido, mas as chances do Brasil cumprir a meta são pequenas. O plano previa que o país investisse cerca de R$ 21 bilhões por ano na área, mas, na prática, os recursos destinados para a expansão das redes de água e de coleta e tratamento de esgoto têm se mantido muito abaixo desse valor.
De acordo com as informações Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o país investiu cerca de R$13,1 bilhões em saneamento em 2018 – dado mais recente. Esse total é superior ao investimento realizado no ano anterior, quando a área recebeu R$10,9 bilhões, mas é insuficiente para fazer com que todos os brasileiros tenham acesso à água tratada e à rede de esgoto.
Atualmente, 84% da população tem acesso à água tratada, enquanto 53% tem acesso à coleta e tratamento do esgoto. Isso significa que mais de 35 milhões de brasileiros não têm água limpa e potável disponível para realizar tarefas simples como tomar banho, lavar roupas ou cozinhar. Outros 100 milhões despejam na natureza e sem qualquer tratamento os resíduos produzidos em suas casas.
Nos grandes centros urbanos do país, a média de acesso à rede de água chega a 92,8%, com resultados ainda melhores nas cidades das regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste, em que os índices médios são de 98,6%, 96,0% e 95,9%, respectivamente. O mesmo ocorre para os indicadores de atendimento por rede de esgoto: o índice médio de atendimento é de 60,9% nas áreas urbanas, com destaque para a região Sudeste, onde a média é de 83,7%.
Como universalizar o saneamento básico?
Especialistas acreditam que o aumento de investimentos privados é fundamental para que o Brasil consiga aumentar o acesso à rede de água e de esgoto. Economista e especialista em infraestrutura, Cláudio Frischtak afirma que a crise hídrica do Rio de Janeiro é reflexo da má governança das empresas estatais de saneamento básico.
“A razão para o péssimo desempenho dessas empresas é que elas são mal governadas e mal geridas. Como a gestão não é muito boa, os contratos que elas estabelecem com os municípios são frágeis e não estabelecem metas claras. Por outro lado, as agências reguladoras do setor não funcionam muito bem, e quem sai perdendo com esse cenário é a população, que fica desassistida. O sistema que temos atualmente está sucateado, porque inúmeras empresas de saneamento são usadas para fins políticos”.
Na avaliação de Frischtak, a privatização dos serviços de saneamento básico vai forçar uma melhora na governança das empresas do setor e nos contratos estabelecidas entre essas empresas e estados e municípios. Atualmente, governantes locais podem contratar empresas de saneamento por meio dos “contratos de programa”, ferramenta que dispensa a realização de licitação e que, consequentemente, reduz a concorrência privada.
O economista elogia a proposta do novo marco legal que está sendo avaliada pelo Congresso Nacional por tornar obrigatória a abertura de licitação para a contratação de serviços de saneamento básico: “O novo marco legal que está sendo analisado prevê isso e acredito que deve ir além. Temos que estabelecer contratos duros, contratos que chamamos de vinculantes, com metas claras e detalhadas para a universalização dos serviços de água e esgoto”.
A CNI também defende a realização de licitações para o setor. Levantamento da entidade industrial mostra que as empresas privadas de saneamento básico investem duas vezes mais do que a média nacional – R$ 418,16 por habitante entre 2014 e 2016 contra R$ 188,17.
Wagner Cardoso, gerente-executivo de infraestrutura da confederação, afirma que o ponto crítico é a falta de eficiência das empresas estatais que controlam atualmente o setor. “A gente não deve defender as privatizações de olhos fechados. Mas como podemos resolver esse problema atual em que 75% do mercado de saneamento básico do país está nas mãos de empresas estatais ineficientes? Que outra alternativa a gente tem? A gente pode pensar em soluções como parcerias público-privadas, as PPPs, ou em concessões temporárias. O que não podemos é manter esse domínio das empresas estatais com todos os entraves que elas apresentam”, diz Cardoso.
A série Caminhos da Indústria – desafios e oportunidades é produzida pelo Poder360 Mercado, divisão de conteúdo patrocinado do Poder360, com apoio da CNI. Leia todas as reportagens.