Hoje (20/11), no Brasil, é o Dia da Consciência Negra. A data busca relembrar a luta do povo negro contra a escravidão e em prol da libertação e empoderamento.
Essa reflexão também perpassa pelo racismo estrutural, herança que o período deixou para os filhos, netos e bisnetos dos africanos e indígenas escravizados. E é importante lembrar que, por mais que a Lei Áurea (1888) tenha garantido a liberdade do povo afro-brasileiro, nenhum tipo de política pública de autonomia foi criada para promover a subsistência negra.
Mesmo que alguns pensem que tudo isso ficou para trás com o término da colonização, quando o Brasil se tornou independente, em 7 de setembro de 1822, esse processo deixou feridas profundas abertas na população recém-libertada, que até hoje, não cicatrizaram.
Essa falta de auxílio, em outras palavras, proporcionou para a população uma “pseudoliberdade”, traduzida em subempregos, falta de oportunidades educacionais e qualificatórias, falta de acesso a serviços básicos, entre outros malefícios.
Atualmente, a população negra, no Brasil, corresponde a 56,1% da população. Os dados, são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022. O índice leva em consideração brasileiros que se autodeclararam pretos e pardos.
Em números absolutos, o total de pessoas que se declararam pretas e pardas subiu para 212,7 milhões em 2021, alta de 7,6% em comparação com 2012. Mas o que isso tudo tem a ver com a indústria e com a economia?
Por mais que os negros componham mais da metade da população, esses fatores que a escravidão e o racismo estrutural trouxeram e ainda trazem, também se refletem nas ambições profissionais e nas estimativas de emprego e, consequentemente, no consumo.
Estudo do IBGE, divulgado em novembro de 2022, apontou que a renda média de trabalhadores brancos é 75,7% maior que dos negros. Para ilustrar, segundo a pesquisa, enquanto um trabalhador branco recebeu R$ 3.099 por mês, em média, em 2021, os pretos receberam R$ 1.764 e os pardos, R$ 1.814.
RENDIMENTO MÉDIO DOS TRABALHADORES, veja aqui
Mesmo que empreendam...
Mesmo que decidam seguir o caminho do empreendedorismo, os negros também enfrentam desigualdades, uma vez que têm o rendimento 32% menor que o dos empresários brancos. É o que revela um estudo feito pelo Sebrae, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), do IBGE, relativa ao segundo trimestre de 2022.
A desigualdade se agrava ainda mais quando falamos de mulheres negras donas de negócios. Enquanto um empresário negro tem o rendimento de R$ 2,1 mil por mês, uma empresária negra alcança R$ 1,8 mil.
Os números são diametralmente distantes do empresariado branco, chegando a uma diferença de rendimento de quase 40% (no caso de homens brancos para mulheres negras).
Na época, a pesquisa revelou ainda que existiam 29,9 milhões de empresários no país e, desse número, mais da metade (52%) se autointitularam como negros.
Mesmo recebendo menores salários como empregados e como empresários, as pessoas negras passaram a ter grande potencial de consumo, porque movimentam o mercado. Só em 2017, a população mobilizou mais de R$ 1,6 trilhão, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva.
Black Money
Se em um passado recente os negros nem sequer eram considerados no universo do consumo, o conceito do Black Money surgiu para buscar trazer equidade para empreendedores e consumidores negros. O que isso quer dizer?
O movimento busca ligar consumidores que movimentam trilhões de reais em compras por ano a empresários que são prejudicados pelo racismo estrutural. Assim, negros compram de negros e negros vendem para negros.
No exterior, a alcunha não era vista com bons olhos, porque tem um sentido pejorativo. Por vezes, a tradução do inglês “Dinheiro Preto” representava a circulação de moeda irregular, como valores “lavados” ou negociados em propina. Ativistas e intelectuais do movimento negro, como o Movimento Black Money (MBM) mais tarde, encabeçaram a ressignificação do termo.
No Brasil, Nina Silva e Alan Soares fundaram, em 2017, o MBM, hub digital para inserção e autonomia da comunidade negra na nova economia e na era digital.
Eles buscam promover transformações dos ecossistemas de empreendedores negros com foco em comunicação, educação e desenvolvimento de negócios pretos.
Deles para nós
A Agência de Notícias da Indústria selecionou quatro negócios que têm como foco o consumidor negro. São empresários de diversos estados que, em alguns casos, sentiram na pele a exclusão e decidiram vender produtos que atendam ao anseio e às necessidades deste público.
Nascida em Belo Horizonte, Minas Gerais, a marca de streetwear é focada exclusivamente no público negro. Com estampas carregadas de significados, eles buscam expressar orgulho, consciência e beleza em suas roupas.
“Há muito tempo tínhamos o desejo de expressar o orgulho de ser uma pessoa negra e fazer com que outras pessoas sentissem isso também. Após nos formarmos na faculdade, em 2017, percebermos que uma ótima solução seria por meio de camisetas, e assim criamos uma marca para pessoas negras, dentro do streetwear”, contam Marllon e Rayane, fundadores da loja.
“A nossa maior inspiração como marca foi a Fubu. Com o lema de 'For Us, By Us', queríamos fazer da ACTP uma marca que é feita pela comunidade negra, para a comunidade negra. Mas a própria vivência e também de pessoas próximas, foram agregando até termos uma ideia concreta de como seria a marca”, lembram.
Os empresários também consideram que fazer produtos voltados para a comunidade negra é importante, porque o "natural" sempre foi o contrário. "O natural sempre foi ver pessoas brancas em jornais, novelas, programas de TV, filmes e até mesmo em marcas. Nós nos encaixávamos ali como coadjuvantes, mas nossa comunidade precisa se ver como protagonista, entender que temos história, cultura, costumes e exaltar isso com orgulho", relatam.
"O mais importante é fazer com que pessoas negras vejam que há uma marca feita para elas, atendendo uma demanda muitas vezes ignorada pelas outras. E que consumir de marcas que não os reconhece, é uma escolha, não a única opção", evidenciam Marllon e Rayane.
Uma das maiores lojas de durags do Brasil, a Tug se consagrou no universo dos cabelos afro. Inspirada nos anos 2000, quando o estilo hip-hop inspirava jovens pelo mundo a fora, a marca surgiu como “forma de expressão”, para exaltar a cultura e “dar voz a quem precisa”.
Originalmente, o acessório surgiu no Egito, sempre feito de cetim ou seda. Mais tarde, em 1930, começou a ser tornar popular, nos Estados Unidos, quando começaram a se formar bairros majoritariamente negros.
Rappers mundialmente conhecidos, como 50 Cent e Jay-Z difundiram o uso da durag em seus clipes, esbanjando cuidados com as waves – ondas que se formam em cabelos afro, em razão da curvatura do fio.
Também pensando em cabelos afro, o paulista Maurício Delfino criou a DaMinhaCor, em janeiro de 2018. Entre outros produtos, a loja vende toucas de várias categorias para cabelos volumosos.
O empresário explica que tudo começou quando ainda era um garotinho e via, dentro de casa, a avó e as mulheres negras da família alisarem os cabelos com pentes de ferro, aquecidos no fogo, para se sentirem mais aceitas em uma sociedade que só considerava bonitos os cabelos lisos. "Era um processo de aceitação na sociedade para procurar emprego, ir para escola, e por aí vai... Caso contrário, seriam alvos de constantes ataques discriminatórios", lembra.
"Assim nasceu a DaMinhaCor, genuínamente como um compromisso expresso em nosso propósito maior: ajudar no acesso da população negra e de cabelos afro a produtos que foram pensados e concebidos por nós, para nós", explica Maurício.
Segundo o empresário, a população negra sempre precisou "dar jeitinhos" ou se adaptar ao que as marcas ofereciam, mas os negócios de pessoas pretas trouxeram consigo o know-how de produtos legítimos. "Somos 56% da população, isso significa faturamento e lucro para absolutamente qualquer produto que tenha um olhar atento para nossas especificidades", reforça.
Pensando na pele negra - que é cheia de peculiaridades - a Negra Rosa fabrica, desde 2016, cosméticos e maquiagens. Localizada no Rio de Janeiro, a marca já conta com revendendoras em todo Brasil.
A loja digital, criada por uma mulher negra, se preocupa, principalmente, com a diversidade de tons de pele, um dos problemas que a população enfrenta com marcas mais conhecidas.
"Comecei como blogueira e youtuber há 6 anos, para mostrar que nós mulheres negras podemos usar tudo, não precisamos ficar presas a regras para nosso tom de pele. O ato de compartilhar as minhas descobertas incentivou outras mulheres negras a descobrir suas belezas únicas. Desde então percebi que não havia muitos produtos voltados para a mulher negra, então decidi criar um linha pensando exclusivamente nos nossos vários tons de pele", conta Rosangela Silva, fundadora da marca.
Veja o relato da fundadora do MBM: