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Profissionais e estrutura de referência: o legado da olimpíada das profissões técnicas

Por Agência CNI de Notícias - Publicado 18 de dezembro de 2023

Para ter os alunos competindo com os melhores do mundo na WorldSkills, SENAI investe em inovação, tecnologia e formação pessoal e profissional de excelência


O Brasil tem tradição no mundial e figura entre os cinco melhores países no quadro de medalhas desde 2007

O que é preciso pra ser campeão de uma olimpíada? Conhecimento e muito treino, sustentados por uma boa equipe técnica e infraestrutura de ponta. Na olimpíada das profissões, a WorldSkills, não é diferente. Os melhores do mundo disputam provas que simulam o dia a dia das ocupações, de jardinagem, confeitaria e cabelereiro à manutenção de aeronaves e cibersegurança. 

No Brasil, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) realiza a competição nacional nas ocupações da indústria. Conhecida como Olimpíada do Conhecimento, a seletiva engaja centenas de pessoas, entre instrutores, avaliadores e competidores, que têm entre 17 e 24 anos. As provas para o próximo mundial, em setembro do ano que vem na França, aconteceram de 18 de setembro a 27 de outubro. 

Nessas cinco semanas, cerca de 270 competidores, de 23 unidades da Federação, disputaram a seleção para 33 ocupações. Como nos eventos esportivos, enquanto o cronometro rola, cada detalhe conta. Uma diferença de apenas 0,03 ponto ou esquecer de apertar o botão que reinicia o equipamento na prova, como aconteceu com a dupla de Minas Gerais na disputa de Indústria 4.0, pode acabar com o sonho para o qual houve tanto preparo e abdicação: o topo do pódio. 

A escola WorldSkills 

Ao acompanhar as seletivas e conversar com delegados técnicos, instrutores e competidores, fica claro que essa é uma olimpíada diferente. Tirando os detalhes e o rigor das avaliações, a rotina de treinos, a concentração para a disputa, as medalhas e as bandeiras que eles carregam orgulhosamente, a competição não é uma linha de chegada. 

Para um atleta, os jogos olímpicos são o ápice da carreira. Para o competidor da WorldSkills, a olimpíada é o início de uma trajetória profissional promissora. Na busca pela excelência, ganham o SENAI e os estudantes, que têm as vidas transformadas pelo amadurecimento e pelas oportunidades que, consequentemente, surgem quando se está entre os melhores do país.  

Hoje instrutor da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), Lucas reconhece que a lista de aprendizados é extensa. Vai muito além dos conhecimentos para automatizar processos industriais, instalar e programar dispositivos e protocolos. Envolve comprometimento, disciplina, resolução de problemas, iniciativa, autoconhecimento e inteligência emocional. 

Da primeira viagem ao primeiro emprego

Antes da cerimônia de encerramento e do anúncio dos vencedores das seletivas em São Paulo, em 20 de outubro, uma cena nos corredores chamava atenção. Os oito competidores de Tecnologia Automotiva, que terminaram a prova no dia anterior com um buzinaço entusiasmado e ensurdecedor, se abraçavam emocionados.

“Estamos todos pelo mesmo propósito, demos o nosso melhor e quem ganhar vai representar o Brasil e não um estado”, observou Wagner Delvoss, representante do Paraná. Ele não ficou entre os três primeiros colocados, mas celebrou a vitória dos colegas como se fosse sua.

De uma escola do interior do estado que não tinha tradição no torneio, ele chegou a lugares até então inimagináveis, e, de quebra, atraiu investimentos da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP) para a unidade.

A WorldSkills mudou totalmente a minha vida, sei nem por onde começar. Nunca tinha saído de União da Vitória, aí viajei para Londrina e Curitiba para [competir] o estadual. Depois, tive um workshop em Recife, conheci a praia. Fui três vezes para São Paulo para treinar. E me fizeram uma proposta na GM, porque um dos meus instrutores virou chefe de oficina lá”, comemora o ex-aluno do técnico em Manutenção Automotiva. Ele já recebeu outra proposta de trabalho. 

Investimento para se manter atualizado 

Lapidar talentos, fomentar a cultura da inovação e promover a atualização tecnológica do parque industrial das escolas são os principais ganhos da participação do SENAI na WorldSkills, acredita Adilson Dantas, especialista da Firjan SENAI.  


“Você mantém seu corpo técnico pedagógico atualizado e conhecendo as novas tecnologias, porque, para um aluno competir em alto desempenho, precisa conhecer e utilizar as novas tecnologias da indústria e as melhores práticas internacionais, novos equipamentos e instrumentos. Esse conhecimento fica na escola”.


Como Adilson, Diego Andrade, do SENAI de Mato Grosso, defende que o investimento retorna diretamente para a instituição, porque muitos dos competidores viram instrutores. Ele mesmo fez aprendizagem e outros três cursos técnicos no SENAI, competiu, foi docente, coordenador, supervisor e hoje é responsável pela delegação e pelos avaliadores do estado. 

“Pra mim, é o maior ganho para o SENAI. Não conheço outra instituição capaz de proporcionar aos jovens esta imersão de treinamento teórico e prático. A olimpíada é a melhor escola de formação de instrutores, temos os melhores profissionais do país no quadro. Assim, garantimos a excelência da nossa formação”, avalia. 

O bom filho à casa torna 

Foi o caso de Ralph de Souza e Gabriella Louise, medalhistas da WorldSkills de 2019, em Kazan, na Rússia. Ralph saiu do interior do Rio de Janeiro, de Campos do Goytacazes, e conquistou o terceiro lugar em Soldagem. “Treinei muito para representar o Brasil, tive a oportunidade de passar 10 dias na Alemanha antes do mundial”, lembra.

Quando voltou, foi contratado para lecionar, o que foi um desafio pela idade: muitos alunos eram mais velhos que ele. Com seriedade e a expertise de top 3 do mundo, ele logo conquistou a simpatia e o respeito em sala.  

No início de 2020, surgiu o convite do SENAI São Paulo para ser técnico da ocupação no estado. O resultado: o competidor de SP e pupilo do Ralph, João Eduardo Zedan, foi primeiro lugar das seletivas e vai para a WS da França no ano que vem. Antes mesmo das provas, em junho, o SENAI do Rio de Janeiro, que conquistou o segundo lugar, deu um jeito de puxar o medalhista de volta.  

Diante da proposta de voltar para a terra natal, ele decidiu ficar mais próximo da família e retornar à casa SENAI-RJ. “Sou muito grato pelas oportunidades e pelo crescimento que tive em São Paulo e aqui no Rio”, diz, com a cordialidade que sempre lhe foi característica. 

O orgulho da mãe de Gabriella Louise, presente na mesma delegação de Ralph pela ocupação Tecnologia da Moda, segue inabalável. 


“Quando eu voltei de Kazan foi a maior festa lá onde eu morava, e até hoje minha mãe fala pra todo mundo ‘minha filha dá aula no SENAI’”, ri.


Quem a vê realizada no posto de instrutora não imagina que o objetivo da jovem não era necessariamente chegar ao topo do pódio. Ela estava há três anos prestando vestibular e sonhava “apenas” com a bolsa para a faculdade de moda oferecida pelo SENAI-SP aos vencedores. Foi uma trajetória admirável, marcada por um, às vezes amargo, 2º lugar.  

Em 2018, a menina que garfou o ouro nas seletivas nacionais acabou não indo para Kazan e Gabriella, que tinha ficado com a prata, foi convocada quando a delegação já estava concentrada poucos meses antes da viagem. No mundial, ela viu, mais uma vez, a medalha dourada escapar. “Eu chorava, mas era de raiva”, recorda a vice-campeã mundial, hoje com um sorriso no rosto.  

Orgulho da família

Frustração, alegria, alívio, angústia e outros tantos sentimentos conflitantes fazem as lágrimas de competidores e equipes técnicas transbordarem durante as cerimônias de premiação das seletivas. É nesses momentos que descobrimos as vulnerabilidades e superações de cada um e de onde eles tiram forças para passar por um processo tão intenso e desafiador. 

Formado em programação de jogos digitais e professor de robótica em uma escola particular, Marcos Aurélio da Silva foi escolhido pelo Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER) do SENAI-RN pela dedicação. Oito meses foram o suficiente para ele chegar em terceiro na competição nacional.  

Outra medalha de bronze celebrada como um ouro por uma mãe emocionada – e que acabou emocionando a todos – foi a da dupla do RS de Integração de Sistemas Robóticos, Gustavo Fernandes Colares e Lucas Gabriel Goelzer.  

Imprevistos e oportunidades  

A lágrimas sucedem muito suor. O mineiro João Luiz Carvalho e a capixaba Beatriz Morete tiveram surpresas às vésperas das provas. João sofreu um acidente grave de moto, quebrou o fêmur, trincou a patela e teve oito semanas para se recuperar para uma prova pesadíssima, de Mecânica Industrial, que exige esforço físico e um repetitivo abaixa e levanta para instalação e reparação de máquinas industriais grandes. 


O médico disse que foi um milagre eu me recuperar tão rápido. Acredito que a vontade de estar aqui e terminar a prova ajudou nessa recuperação. Treino desde 2019”, conta João, em sua terceira olimpíada, um bronze e duas pratas no currículo – e, dessa vez, pela menor diferença registrada entre 1º e 2º colocados nas seletivas, apenas 0,03 ponto. 

Em Controle Industrial, outra prova pesada, Beatriz Morete não só era a única mulher entre os cinco competidores, como a única grávida de toda a competição. Ex-aluna da aprendizagem de Eletricista de Manutenção, ela começou os treinos no fim do ano passado, venceu o estadual e descobriu a gravidez logo em seguida.

“É cansativo, mas quando você gosta… O pessoal [equipe técnica] perguntou se eu queria continuar, porque já estaria com seis meses nas seletivas, e eu escolhi ficar porque é uma coisa que eu gosto de fazer", argumenta. 

Mostrar a esses jovens do que eles são capazes e onde eles podem chegar é a chave. E isso começa não com um ouro, mas lá na base. Lydia Tavares, instrutora orientadora do SENAI de Goiás, levou, pela primeira vez, uma competidora para as seletivas nacionais de Confeitaria.

“Nós temos um aquário na escola onde a Emily treina e vários alunos do ensino médio já vieram perguntar o que ela estava fazendo, falando que queriam fazer o curso e participar da competição”, comemora Lydia. É no despertar do interesse que nascem os campeões.

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