O Grande Prêmio (GP) de São Paulo foi o centro das atenções de fãs de Fórmula 1 do mundo todo em novembro. Por onde passa, a principal categoria do automobilismo movimenta a economia, gera empregos e encanta uma legião de aficionados. Distante do Autódromo de Interlagos, mais especificamente em Salvador, um projeto da Fórmula 1 também tem gerado impactos positivos, mas para além das pistas, transformando as vidas de jovens.
É o F1 in Schools, competição internacional para estudantes de 9 a 19 anos, cujo objetivo é promover, ainda na escola, o conhecimento e a prática nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia, matemática e marketing. Na Bahia, uma geração de ex-competidores já começou a colher os frutos. O universo da indústria automotiva, que parecia distante da realidade, é um sonho cada vez mais próximo de se concretizar.
Beatriz Valongo, Beatriz Mota e João Vitor Bezerra Dias são da primeira geração da Sevenspeed, equipe da Escola SESI Reitor Miguel Calmon que venceu o torneio nacional em seu ano de estreia, em 2019, e representou o Brasil no mundial em Abu Dhabi. Em menos de dois anos, eles viram suas trajetórias serem transformadas pela participação no projeto.
Futuros engenheiros
Logo após concluírem o ensino médio, os três começaram a graduação no SENAI Cimatec, instituição referência em pesquisa e inovação para a indústria. Beatriz Valongo cursa Engenharia de Produção com bolsa de 50%; Beatriz Mota, Engenharia Mecânica com bolsa de 100%; e João Vitor, Engenharia Automotiva. As duas também conseguiram um estágio na Ford, na unidade de Camaçari, enquanto João é estagiário no próprio SENAI Cimatec, no setor de indústria criativa.
Em comum, eles ainda têm o diploma de curso técnico, que concluíram simultaneamente com o ensino médio: Logística, Mecânica de Precisão e Mecatrônica, respectivamente. Segundo os estudantes, nada disso seria possível sem o F1 in Schools.
“Até o começo do terceiro ano do ensino médio, eu acreditava que iria ser biomédica. Com a minha entrada no F1, descobri uma engenharia muito diferente, mais dinâmica e divertida, que serve de porta e ferramenta de desenvolvimento pessoal, social-cívico, e não uma engenharia engessada, como sempre me falavam”, lembra Beatriz Mota, que participou da competição como chefe de escuderia e designer gráfico.
Ela conta que aos 17 anos já tinha visto vários conteúdos ministrados no terceiro semestre da faculdade. “Foi o F1 que me fez descobrir a paixão pela mecânica e sonhar em ser projetista. Me apresentou ferramentas e softwares que eu não conhecia, me ensinou sobre dinâmica dos fluidos, a modelar”, lista.
Aprendizados
Os benefícios vão além, completa Valongo: “O projeto tem essa proposta de colocar o aluno mais perto do mercado de trabalho. Foi quando decidi o que queria fazer como profissão. Eu era gerente de finanças da equipe, e entender os processos e a parte administrativa me levou ao curso técnico de logística e à faculdade de engenharia de produção. Agregou bastante na minha vida profissional e são um diferencial, não conseguiria ter a desenvoltura que tenho hoje”.
Ela credita o sucesso no processo seletivo de estágio da Ford às competências desenvolvidas - uma evolução e tanto para quem se considerava muito tímida. Sem contar as trocas com equipes de diferentes estados e de outros países. O colega João Vitor comemora que o aprendizado continua, ao manter o contato e repassar as experiências e os conhecimentos para a nova geração de competidores.
“A segunda geração foram alunos que nós selecionamos na escola. Acompanhamos a todo momento e até hoje temos um grupo, onde motivamos e cobramos evolução. É importante eles não regredirem, continuarem de onde paramos. E, independentemente do resultado, sabemos que foi o melhor que conseguiram dar”. Aos mais novos, ele ensina sobre gestão, projetos, empreendedorismo e até física.
De engenheiro chefe da Sevenspeed que pensou, um dia, em cursar engenharia química, para um apaixonado por aerodinâmica, carroceria e pesquisas com tecnologia e inovação. Motivo de orgulho não só para a família, como para o professor Robson Oliveira Nunes, técnico da equipe. Formado em Biologia, o docente encontrou na robótica educacional um meio de melhorar a educação e a vida dos adolescentes que, muitas vezes, chegam ao ensino médio com um histórico de dificuldades pessoais e acadêmicas, sem perspectivas.
“O programa do F1 in Schools é muito completo. Digo que não é nem a porta para o mercado de trabalho, é passar a porta e entrar de vez no mundo do trabalho. A equipe tem que se sustentar, os participantes têm papéis muito definidos, eles sabem o que devem fazer todos os dias e são cobrados pelo chefe da escuderia, apresentam resultados e relatórios”, justifica o professor.
Como funciona o F1 in Schools
Os estudantes formam equipes de três a seis integrantes, que criam e gerenciam escuderias para competir em uma pista de corrida em miniatura. O torneio, que tem uma etapa nacional para selecionar os representantes do país no mundial, realizado anualmente, reproduz desafios profissionais da categoria do início ao fim, da busca por patrocínio até o enfrentamento nas pistas. As equipes são avaliadas pela velocidade e o design do carro (uma réplica dos modelos oficiais de F1), pela gestão empresarial da escuderia, que envolve plano de negócios e estratégias em mídias sociais, e por um projeto social.
O programa, que já existe há duas décadas, chegou no Brasil em 2014. Nos primeiros anos, seu alcance estava centrado no eixo São Paulo e Rio de Janeiro, mas, em 2019, a rede de escolas do Serviço Social da Indústria (SESI) começou a implementar a iniciativa em diferentes estados, o que resultou em um crescimento de 94% de participantes. Nesta temporada 2021/2022, 74 equipes de 20 estados brasileiros vão competir.