As startups ocupam papel central para trazer inovação para o parque industrial brasileiro. Apaixonada por tecnologia, a cofundadora da Baita Aceleradora Rosana Jamal Fernandes, 59 anos, afirma que as startups, hoje, têm tempo e estrutura para testar e validar inovações que podem ser aplicadas não apenas na indústria, mas em todos os setores da economia.
“Se uma empresa é estruturada para realizar entregas o mais rápido possível, quando ela chega a um nível de maturidade, ela está muito preocupada com a operação e pode deixar de lado oportunidades de inovação que estão debaixo de seu nariz. Muitas vezes, elas não possuem competência ou equipe para fazer inovação”, afirma Rosana, em entrevista à Agência CNI de Notícias.
Hoje, segundo dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), há 12.725 empreendimentos dessa natureza no Brasil. Diante de sua importância para que o Brasil seja inovador em um mundo cada vez mais competitivo, Rosana defende a formulação de política específica para as startups.
“A criação de uma política é fundamental porque esse ‘bichinho’ startup tem personalidade diferenciada. Ela tem risco e velocidade de trabalho altíssimos. Ela não pode enfrentar toda a demora existente para se criar um CNPJ e conseguir um alvará de funcionamento. É uma empresa que está aprendendo ainda e não pode ter todas as obrigações das tradicionais”, afirma.
Em 2013, em Campinas (SP), Rosana e outros cinco sócios criaram a Baita Aceleradora, que conta com um programa de aceleração de seis meses focado em startups de base tecnológica. Em seis anos, a Baita já acelerou cerca de 60 startups – em um processo que vai desde a avaliação de projeto até a conversão em inovações que alcancem a sociedade.
Na entrevista, Rosana avalia o cenário para inovação no Brasil e o papel do governo brasileiro no incentivo a novas tecnologias. Confira.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Hoje, qual é o grande objetivo de acelerar startups?
ROSANA JAMAL FERNANDES - O primeiro desafio é ver uma empresa nascendo e criando asas e efetivamente mudando alguma coisa na sociedade. Nós somos realmente apaixonados por inovação. A gente gosta de ver um trabalho sendo colocado em campo. A gente acredita que qualquer pesquisa, seja de universidade, seja de centro de pesquisa, seja de investidor, precisa ganhar o mundo do mercado. Essa é a verdadeira inovação, na hora que você coloca novo produto ou processo ou tecnologia no mercado. O significado de inovação é criar e colocar no mercado. Isso é o que nos chama a atenção. A gente acredita que essas pequenas empresas hoje serão o motor da economia de amanhã.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - A indústria brasileira tem um enorme desafio de modernização. Como as startups podem atuar nesse movimento?
ROSANA JAMAL FERNANDES - As startups têm papel fundamental na indústria 4.0, no agronegócio 4.0, em tudo relacionado à transformação digital. Se uma empresa é estruturada para realizar entregas o mais rápido possível, quando chega a um nível de maturidade, ela está muito preocupada com a operação e pode deixar de lado oportunidades de inovação que estão debaixo do seu nariz. Muitas vezes, elas também não possuem as competências ou equipe para fazer inovação.
Na agroindústria, por exemplo, hoje as principais soluções envolvem conectividade e tecnologias que não estão na sua competência. Assim, a startup tem o papel de testar e validar se alguma nova tecnologia realmente faz sentido para uma fazenda. Como as startups têm o objetivo de resolver problemas comuns, elas também conseguem trazer soluções muitas vezes a um custo mais baixo e que podem atender vários clientes. É importante a indústria prestar atenção no que as startups podem oferecer para ela.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - E qual o desafio da indústria nessa relação?
ROSANA JAMAL FERNANDES - O grande desafio da indústria é lidar com a startup ainda nascendo. A gente recomenda cuidado com esse relacionamento porque as condições para as startups não são as mesmas de um grande fornecedor. A indústria está muito comprometida com suas próprias operações. A startup, por sua vez, tem oportunidade de verificar soluções que nunca verificaria se não fosse startup.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O que a indústria tradicional tem a ganhar se aproximando das startups?
ROSANA JAMAL FERNANDES - Do ponto de vista operacional, novas oportunidades de inovação para melhorar a operação e a capacidade industrial. Do ponto de vista estratégico, a indústria pode ter ao lado um parceiro que pode trazer novas oportunidade em produtos, processos e negócios.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Por que é importante melhorarmos o ambiente para as startups?
ROSANA JAMAL FERNANDES - A gente tem de primeiro entender qual é esse ambiente. O ambiente de startups no Brasil começou em 2011. Em 2012, iniciou-se uma escalada vertiginosa na criação e no investimento em startups. Com economia mais estável e facilidade de fazer novos investimentos principalmente em tecnologia digital, começaram a aparecer oportunidades de novas soluções que impactam o mundo. Agora, o Brasil começa a virar a menina dos olhos desses investidores. Mas há dois aspectos que precisamos melhorar: primeiro, dar mais condições para os empreendedores desenvolverem seus negócios; segundo, precisamos melhorar as condições para os investidores. Enquanto, no mundo, eles encontram condições atrativas para colocar seus recursos, no Brasil, eles pagam mais impostos justamente por serem investidores.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como você vê hoje o cenário da inovação no Brasil?
ROSANA JAMAL FERNANDES - Existe muita vontade de se inovar no Brasil, mas esse processo ainda está na infância. A inovação vai muito além de se fazer uma coisa nova. É necessário colocar essa novidade no mercado. É louvável, por exemplo, o fato de universidades trabalharem com pesquisa básica. Mas é preciso haver uma ponte entre a pesquisa básica e a pesquisa aplicada no mercado. É preciso aproximar essa inovação da indústria.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Hoje o Brasil tem 10 unicórnios - startups que chegaram a US$ 1 bi em valor de mercado, em um universo dominado por EUA e China. Como você avalia o desempenho brasileiro? O que pode melhorar para o Brasil crescer?
ROSANA JAMAL FERNANDES - Se você pensar que havia um ou dois unicórnios, acho que é extremamente positivo o Brasil ter alcançado esse resultado em tão pouco tempo. Esse número deve aumentar no curto prazo devido ao potencial do nosso país.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Na sua opinião, como podemos impulsionar o desenvolvimento da tecnologia no Brasil?
ROSANA JAMAL FERNANDES - O que falta ainda são talentos. As universidades brasileiras formam talentos fantásticos. Mas ainda faltam profissionais em algumas áreas. Precisamos formar pessoas olhando para a tecnologia e para o perfil empreendedor.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Para você, qual deve ser o papel do governo, tanto estadual quanto federal, no incentivo à inovação?
ROSANA JAMAL FERNANDES - Indiscutivelmente, o governo tem um papel importante na educação. Existem iniciativas em andamento. Mas é preciso medir, avaliar e corrigir os rumos. Uma gestão baseada em métricas é o que falta no Brasil hoje. O governo precisa ser proativo em realizar parcerias, pois inovar envolve você conhecer o que acontece no mundo, e precisa também capacitar pessoas.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - É importante que o Brasil tenha uma política específica para as startups?
ROSANA JAMAL FERNANDES - A criação de uma política é fundamental porque esse “bichinho” startup tem personalidade diferenciada. Ela possui risco e velocidade de trabalho altíssimos. Ela não pode enfrentar toda a demora existente para se criar um CNPJ e conseguir um alvará de funcionamento. É uma empresa que está aprendendo ainda e não pode ter todas as obrigações das tradicionais.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Quais as áreas mais promissoras para o desenvolvimento de startups?
ROSANA JAMAL FERNANDES - Não me atrevo mais a dizer isso. Antes, era na área digital. Hoje, há startups incríveis nas áreas de direito, no agronegócio, na química, na medicina. Tem muita startup trabalhando com causas sociais, por exemplo, e também na área do meio ambiente. O que existe é um processo da sociedade para transformar tudo em digital, mas não me atrevo a dizer quais as áreas mais promissoras.