“Continuem famintos, continuem loucos (Stay hungy. Stay foolish)”.
O discurso de Steve Jobs, na Universidade de Stanford, em 12 de junho de 2005, ainda ecoa forte pelo mundo. A fala se tornou um ícone da cultura da inovação, que tem a paixão e a ousadia como base do sucesso, para além dos grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Mas, por trás da genialidade de Jobs, há vultuosos investimentos do governo americano no desenvolvimento de tecnologias de ponta, como internet, GPS, telas sensíveis ao toque e tecnologias da comunicação. A economista italiana e professora da Universidade de Sussex, Mariana Mazzucato, afirma que não se discute o sucesso organizacional da Apple na integração de tecnologias complexas em dispositivos atraentes, mas, é incontestável, diz Mazzucato, que a maioria das melhores tecnologias da Apple existe devido aos esforços coletivos e cumulativos conduzidos anteriormente pelo Estado.
“Praticamente toda tecnologia de ponta encontrada no iPod, iPhone e iPad é uma conquista muitas vezes esquecida e ignorada dos esforços de pesquisa e apoio financeiro do governo e das Forças Armadas (dos Estados Unidos)”, escreveu Mazzucato no livro O Estado Empreendedor.
Neste momento, a corrida das políticas públicas internacionais está focada em quem chega na frente, para depois impor seu padrão ao mundo, em energias renováveis, eficiência energética e tecnologias limpas e descarbonizantes; adoção de tecnologias digitais, como inteligência artificial, internet das coisas (IoT) e big data; políticas de fortalecimento do setor de saúde, com foco no desenvolvimento de novas tecnologias, produção de medicamentos e equipamentos médicos e ampliação da cobertura de serviços de saúde; modernização da infraestrutura urbana, incluindo transporte público, saneamento e gestão de resíduos.
Também há investimentos robustos no fomento à pesquisa científica, aplicada e à inovação; formação de recursos humanos: qualificação da mão de obra, com foco em habilidades técnicas necessárias para a indústria do futuro (mais verde e digital); fortalecimento das indústrias de defesa, com foco no desenvolvimento de tecnologias militares e na produção de equipamentos de segurança; e promoção da produção interna de bens considerados estratégicos para a segurança nacional e a resiliência das cadeias produtivas.
A sobrevivência para a economia brasileira depende de política industrial robusta e bem orientada
A preocupação com a posição do Brasil, enquanto o mundo investe fortemente em inovação e competitividade, levou a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em conjunto com as 27 federações estaduais de indústria e de 74 associações industriais, a divulgar a Declaração pelo Desenvolvimento da Indústria e do Brasil. No documento, o setor industrial apresenta os 10 princípios orientadores para impulsionar a agenda de desenvolvimento.
Os princípios são fundamentais para garantir que a nova industrialização do Brasil seja bem-sucedida e traga benefícios duradouros para a sociedade, em emprego, renda e qualidade de vida.
“Nenhuma grande economia deu as costas para a indústria nos últimos 40 anos, como fez o Brasil. O que ganhamos? Os setores que produzem os bens mais sofisticados e de maior complexidade perderam peso na economia nacional. Somamos três gerações de empobrecimento. Agora, a indústria voltou para o centro da política pública e não podemos perder o timing para reverter esse cenário”, alerta o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Rafael Lucchesi.
Brasil precisa garantir recursos em volume e custos adequados para investimentos na indústria nacional
A Nova Indústria Brasil (NIB) é a atual política industrial do país e, dentro dela, o Plano Mais Produção tem R$ 300 bilhões para o financiamento de empresas e de Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) até 2026, ou cerca de R$ 75 bilhões por ano. Deste total, cerca de R$ 110 bilhões já foram aprovados em linhas do BNDES para projetos de produtividade, exportações, inovação e indústria mais verde.
Assim como o Estado optou por fortalecer o setor agropecuário, a indústria entende que é necessário garantir os recursos, em quantidade e custo competitivo, para o financiamento de investimentos na indústria. Entre as medidas esperadas estão o fortalecimento e a capitalização do Bando Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dos bancos de desenvolvimento regionais. A implementação da Letra de Crédito ao Desenvolvimento (LCD) é um destes caminhos.
Além disso, a CNI também tem expectativa de ampliação de recursos do Plano Mais Produção. Para a indústria, desta forma, contribuir decisivamente para o cumprimento das missões da nova política industrial, com ampliação e modernização do parque industrial. As máquinas e equipamentos industriais brasileiros têm, em média, 14 anos, e 38% deles estão próximos ou já ultrapassaram a idade sinalizada pelo fabricante como ciclo de vida ideal.
A discussão sobre política industrial é para colocar o país no século 21, explica economista Mônica de Bolle
Pesquisadora do Peterson Institute for International Economics (PIIE) e professora da SAIS da Johns Hopkins University, a economista Mônica de Bolle, avalia que o Brasil vive preso nas discussões de conjuntura – taxa de câmbio, juros e inflação – e perde de vista um debate que realmente precisa acontecer no Brasil, que é a política estrutural, de longo prazo. “As políticas de curto prazo não são suficientes e a gente precisa ter um olhar que nos permita crescer com mais desenvolvimento. Ter mais é capacidade de concorrência, mais produtividade e mais capacidade de gerar bons empregos. Todas essas discussões passam por uma política de governo que esteja voltada para o desenvolvimento. A discussão de política industrial é para colocar o país no século 21”, avalia a economista.
De Bolle lembra que tragédias climáticas, como as enchentes Rio Grande do Sul, estão cada vez mais recorrentes. Nesta discussão, a indústria precisa estar incluída e adaptada para essa nova realidade. Segundo ela, por definição não tem política industrial, de desenvolvimento, sem a participação do governo, pois o mercado sozinho não consegue criar as condições adequadas para o tipo de desenvolvimento que a sociedade precisa.
“Mas a política industrial precisa ter metas claras, com mecanismo de governança para investimentos que o governo venha a fazer, sejam subsídios ou seja lá o que for, não virem desperdício. A forma de evitar o desperdício é ter mecanismos de governança bem montados”, explica Mônica de Bolle.
A neoindustrialização verde e o poweshoring podem mudar o desenvolvimento do Brasil
O dilema da humanidade é: como produzir bens para a sociedade sem afetar ainda mais o meio ambiente? Esse é o questionamento da pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a doutora em economia Fernanda de Negri. “São desafios bem complexos que não podem prescindir de políticas ativas. Os Estados Unidos, que são o país menos intervencionista do mundo na sua política econômica, têm estratégias muito claras de política pública, quando se trata de desenvolvimento tecnológico e de inovação”, afirma.
A economista destaca que, dentro de uma ideia mais ampla de economia, mais verde e mais sustentável, o Brasil tem 111 janelas de oportunidades. Há várias razões, explica De Negri, que colocam o Brasil em uma posição competitiva, como a matriz energética bastante limpa em relação ao resto do mundo, o que dá ao país vantagem comparativa na produção de hidrogênio verde.
Ela lembra as experiências brasileiras positivas como o Proálcool. “Foi uma política que incentivou o uso de fontes alternativas de energia. O Brasil tem experiência neste tipo de política. Temos uma boa janela de oportunidade para o que se chama de economia verde, de descarbonização da economia, que o Brasil deveria perseguir”, lembra.
Criado em 1975, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) ofereceu incentivos fiscais e empréstimos com juros mais baixos para os produtores de cana-de-açúcar e para as indústrias que desenvolviam carros movidos a álcool. Em 1983, as vendas dos veículos movidos pelo biocombustível dominaram o mercado brasileiro. Oito anos depois, cerca de 60% dos carros do país rodavam com etanol. Atualmente, está no centro do desenvolvimento de tecnologias de descarbonização de veículo nos modelos híbrido flex, que combina eletrificação com motores movidos a etanol.
Fernanda de Negri explica que para descarbonizar a economia é preciso ter uma série de instrumentos simultâneos, como incentivos e subvenções para novas tecnologias de descarbonização, incentivos para empresas que usem esse tipo de tecnologia e regulação, “que sinalizem claramente para as empresas e para a sociedade que essa é a direção para a qual o Brasil quer seguir”.
A transição do setor industrial brasileiro para uma economia de baixo carbono apresenta desafios. Para isso, é necessário uma estratégia nacional de descarbonização que priorize iniciativas de transição energética, mercado de carbono, economia circular e conservação florestal.
O Brasil ainda pode ser beneficiar do movimento de poweshoring, atraindo investimentos que buscam energia limpa e segura. O artigo recente do renomado economista Dani Rodrik, “Don’t Fret About Green Subsidies” (em tradução livre Não se preocupe com Subsídios Verdes) corrobora a visão aqui apresentada. Segundo o autor, “[a] única forma de descarbonizar o planeta sem prejudicar o crescimento econômico e a redução da pobreza é mudar para energias renováveis e tecnologias verdes o mais rapidamente possível.” Elas são um bem público global, o que justifica a execução de políticas industriais focadas no desenvolvimento de tecnologias verdes pelos diferentes países.
A reconstrução do Rio Grande do Sul pode ser o ponto de partida para promover a indústria verde, em larga escala, no país
O plano Nova Indústria Brasil pode desempenhar um papel estratégico na urgente reconstrução do Rio Grande do Sul, incentivando os investimentos voltados à sustentabilidade e transição energética. Isso passa por priorizar, efetivamente, a promoção do desenvolvimento econômico com baixo impacto ambiental e, assim, conduzir o estado do Rio Grande do Sul, e o país, para a um futuro mais resiliente e sustentável.
O Brasil já está na vanguarda da indústria de baixo carbono por se beneficiar de uma matriz elétrica ancorada em fontes renováveis, uma das mais limpas do mundo. Mais de 80% da geração de energia no Brasil é sustentável, enquanto a média mundial é da ordem de 30%, segundo dados do Banco Mundial. Isso contribui para que o setor produtivo não seja o principal emissor de CO2 no país.
Os processos industriais respondem por apenas 3% das emissões de gases de efeito estufa do país, de acordo com o estudo “Análise das emissões de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas climáticas do Brasil, 1970-2022”.
Mas, explica o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Rafael Lucchesi, a indústria instalada no país pode e deve contribuir ainda mais para uma produção sustentável. Isso repercutirá positivamente na sua própria produtividade e competitividade, além de favorecer o posicionamento do país no cenário internacional da economia verde.
“O Rio Grande do Sul pode ser o ponto de partida para promover a indústria verde, em larga escala, no país”, afirma Lucchesi. Um verdadeiro espaço para a execução coordenada de ações públicas, em diferentes áreas, tendo como norte o desenvolvimento sustentável. Nessa trajetória, importa o planejamento bem estruturado das atividades, objetivos e metas a perseguir; igualmente importante é a implementação das ações, assim como o monitoramento e avaliação dos resultados, que permitirá replicar ou induzir mudanças em outras partes do país.
É uma mudança de paradigma na concepção e orientação de nossas políticas. Além da priorização dos investimentos para a indústria verde, é necessário rever o aparato legislativo para que dialogue com o desenvolvimento sustentável e inovador. Isso implica adequar leis, normas e regulamentações para que deem sustentação à economia de baixo carbono. Na prática, procedimentos para licenciamento ambiental, gestão de resíduos, garantia de proteção de áreas de preservação, taxonomia ambiental são algumas das medidas que devem estar no radar da estratégia de desenvolvimento econômico ambientalmente responsável.