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Como destravar financiamento climático e acelerar a transição energética?

Por Agência CNI de Notícias - Publicado 04 de outubro de 2024

Indústria e governo discutiram prioridades do Brasil na COP29 e papel do setor privado em evento organizado pela CNI, em São Paulo, nesta quinta-feira


A agenda da 29ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que ocorre em Baku, capital do Azerbaijão, em novembro deste ano, estará centrada na busca por facilitar o acesso dos países em desenvolvimento ao financiamento climático. No evento Pré-COP29: O Papel da Indústria na Agenda de Clima, realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), nesta quinta-feira (3), em São Paulo, empresários, governos e especialistas elencaram as prioridades para a COP29. 

O presidente da CNI, Ricardo Alban, destacou a importância de destravar o financiamento climático e fortalecer os investimentos na transição energética.  


“A agenda ambiental é central e um fator de competitividade para a indústria no Brasil. Com políticas públicas consistentes, decisões de negócios bem planejadas para o fortalecimento das ações de transição energética e o destravamento do financiamento climático, teremos todas as oportunidades de aproveitar esse trem que está passando na nossa porta.”


Na COP28, sediada em Dubai em 2023, um dos principais acordos foi o compromisso de reduzir gradualmente o uso de combustíveis fósseis, sinalizando a necessidade de uma transição global para energias renováveis para alcançar emissões líquidas zero até 2050. 

Ricardo Alban também apresentou aos participantes as propostas defendidas pela CNI para a Conferência do Clima em Baku que constam do documento Visão da Indústria. Nele, a instituição reforça recomendações para o governo federal atuar na agenda de adaptação à mudança do clima, no mercado de carbono e no financiamento climático. 

Do Azerbaijão, o embaixador do Brasil no país, Manuel Montenegro, participou, por vídeo, da abertura do evento e falou sobre o interesse em trabalhar junto com a indústria na COP29 para o desenvolvimento de negócios verdes. Montenegro disse que é a primeira vez que o Azerbaijão recebe um evento com as dimensões da Conferência do Clima e apontou que a relação "B2B - Baku to Belém" tem ajudado os países a superar os desafios à frente das COPs 29 e 30.

“O Brasil é um ator central nas pautas ambientais. Trabalharemos na COP29 na preparação do caminho para o êxito da COP30, em Belém”, afirmou Manuel Montenegro.

Para o relator do marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), é necessário um pacto nacional envolvendo governos federal e estadual, empresas e especialistas para que o país aproveite a COP30 para se apresentar como um líder global da descarbonização e da sustentabilidade.

“Dá para produzir consenso. Vamos para a COP30 para falar do desmatamento, ou para nos apresentar como um país com uma visão de futuro? Precisamos orquestrar esse grande esforço nacional para expor na vitrine todo o nosso esforço de descarbonizar a economia. Mas não há dúvida de que os pecados, as nossas falhas, são menos relevantes”, disse o parlamentar. 

“Se tem uma potência brasileira que pode alavancar a agenda climática, a transição energética e mostrar resultados é a indústria”, resumiu a gerente-adjunta da Unidade de Inovação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Anny Tonet. 

Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), Alex Carvalho destacou que o Brasil não pode se contentar apenas em sediar a COP30, mas deve aproveitar o evento para tomar medidas efetivas no enfrentamento às mudanças climáticas.  

“A pauta climática traz a oportunidade de repensarmos o modelo econômico. Temos que entender a COP30 não apenas como um evento, mas no legado que realmente ficará”, afirmou.  

Financiamento climático ainda é insuficiente 

No primeiro painel do evento, os participantes debateram a importância do financiamento sustentável e do seguro nas cadeias de valor. Igor Calvet, diretor-executivo da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), disse que, sem recursos, não é possível alcançar a neutralidade de carbono. “Em 2023, o investimento no processo de descarbonização foi algo em torno de US$ 1,8 trilhão, cerca de 17% acima do ano anterior, o que ainda não é suficiente.” 

Para o presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Dyogo Oliveira, não falta dinheiro para financiar medidas sustentáveis, mas, sim, instrumentos que façam os recursos chegarem à ponta. Ele também destacou que é necessária uma campanha de conscientização sobre a importância do seguro para a atividade produtiva, uma vez que eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes. “Está na nossa agenda sensibilizar mais sobre a importância e, em muitos casos, a necessidade de se ter seguro nesse ambiente climático”, pontuou.  

Líder de Operações e Projetos do Instituto Amazônia+21, Fernando Penedo disse que a maior parte dos recursos para financiamento está no mercado de capitais e que, para acessá-los, é preciso apresentar um projeto sólido. “Não dá mais para fazer projeto piloto. A gente tem que sair do projetismo. Ninguém aguenta mais ouvir: ‘tenho um projeto aqui’. Precisamos partir para projetos ambiciosos.”  

Já Grazielle Parenti, vice-presidente de Sustentabilidade e Assuntos Corporativos da Syngenta, ressaltou a proximidade de boa parte dos compromissos globais das empresas em relação ao clima. “2030 está logo ali. Essa agenda de financiamento climático está acontecendo e cabe a nós achar a formar de fazer isso aterrissar na realidade do Brasil e seus diferentes biomas e setores da economia, rapidamente.” 

O representante do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Pedro Paulo Dias, afirmou que a instituição pretende ampliar o financiamento voltado ao investimento sustentável. Segundo ele, a instituição já disponibiliza R$ 12 bilhões para inovação e economia verde, no âmbito do Plano Mais Produção, que dá suporta à Nova Indústria Brasil (NIB).  

Desafios e oportunidades da descarbonização 

O segundo painel tratou sobre os desafios e oportunidades no processo de descarbonização da indústria.  

Para o secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Rodrigo Rollemberg, o Brasil precisa se “vender melhor” no exterior, para atrair investimentos em descarbonização. “A gente precisa mostrar que o Brasil pode ser o grande destino de empresas de todo o mundo que precisam acelerar os seus processos de descarbonização, em função dessas vantagens que temos: maior biodiversidade do planeta, grande disponibilidade de biomassa e uma matriz energética limpa”, apontou.  

Mariana Lisboa, diretora global de Relações Corporativas da Suzano, garantiu que a agenda de descarbonização é prioritária para a empresa, permeando toda a estratégia de negócio. “40% da dívida da Suzano está atrelada a títulos verdes ligados a metas desafiadoras, como a redução de 15% do uso de água em nossas operações, o que significa que se não alcançarmos nossa meta, a nossa dívida sobe, mostrando o compromisso genuíno da companhia com a sustentabilidade”, disse.  

Lisa Lieberbaum, diretora de sustentabilidade da Ambev, afirmou que um dos desafios do grupo é incentivar os seus fornecedores e distribuidores a se comprometerem com a redução das emissões de gases poluentes. “Na nossa cadeia produtiva, as nossas emissões são 11% das emissões totais. É um desafio e uma oportunidade, porque esses 89% de emissões não estão diretamente nas nossas mãos, mas podemos ser parte indutora desse ecossistema”, projetou.  

Já a gerente-geral de Transparência e Engajamento em Sustentabilidade da Vale, Bianca Conde, destacou a importância de práticas sustentáveis para o sucesso das empresas. “A gente tem que se preparar antes que isso vire regra. Se a gente não se preparar – e é o que a gente vem fazendo na Vale – para ter produtos de alta qualidade e baixa pegada de CO2, a gente não vai mais ser competitivo mundo afora.” 

Brasil se destaca na transição energética

No painel que debateu a importância da indústria no processo de transição energética, Erick Cabral, representante da Petrobras, afirmou que o Brasil se destaca quando o assunto é a substituição de fontes poluentes de energia. “90% da nossa matriz elétrica e cerca de 50% da matriz energética é renovável. A penetração de biocombustíveis no transporte está chegando ao percentual estabelecido para 2030, 2040 e 2050. O Brasil já fez o dever de casa”, avaliou. 

Carlos Victal, gerente de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), assegurou que o petróleo brasileiro está entre os menos poluentes do mundo, o que traz algumas vantagens para o setor produtivo. “Esse petróleo dá maior competitividade aos produtos brasileiros no mercado internacional, mas também tem o papel de descarbonizar o mundo, porque se outros países que produzem petróleo com maior pegada de carbono deixarem de produzir, é o Brasil que vai ocupar esse espaço.”  

A gerente de ESG da BRF, Mayara Jungles, afirmou que a empresa tem incentivado o uso de fontes limpas de energia por seus fornecedores. “Temos nove mil produtores integrados na cadeia. Em 2021, a gente fez uma parceria com o Banco do Brasil para conseguir taxas melhores de financiamento para esses integrados. Além disso, temos prestado suporte técnico e trazido bonificações. Os resultados são bastante positivos”, comemorou.  

Marcello Cabral, diretor de Novos Negócios da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), ponderou que a ampliação da geração de energia limpa pelo país depende de regras objetivas. “Os investidores vão aonde há segurança jurídica.” 

Combustíveis sustentáveis – tecnologia mais limpa na aviação

Head de Assuntos Públicos da Latam, Eduardo Macedo lembrou que o combustível sustentável de aviação, conhecido como SAF, não é a única alternativa quando o assunto é a redução das emissões de gases poluentes pelo setor aéreo. “A Latam tem implementado uma tecnologia que é capaz de reduzir a emissão, que é um AeroShark, que se coloca no revestimento do avião, dando mais eficiência; a gente também tem implementado tecnologias de otimização da rota. Todos esses mecanismos vão colaborar com a descarbonização”, argumentou.  

Pesquisadora do Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) e responsável pela planta-piloto de SAF, Fabiola Carvalho alertou que o Brasil ainda não produz o combustível sustentável de aviação em escala comercial. “Há demanda da indústria, mas o produto ainda não foi desenvolvido a nível comercial. Isso requer muito investimento, muita infraestrutura e legislação adequada”, reforçou.

Henry Joseph Júnior, diretor de Sustentabilidade da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), relatou que a eletrificação do setor de transporte de cargas é de difícil execução, devido ao peso das baterias e pouca autonomia dos veículos. Por isso, afirmou que um dos aliados do segmento no processo de descarbonização é o HVO, diesel “verde” produzido a partir de material orgânico. “O HVO é muito bem-vindo. Junto ao hidrogênio e ao biometano, sem dúvida, vai ajudar o setor de transporte a conseguir descarbonizar de uma forma bem mais rápida”, projetou.  

Implementar economia circular é desafiador

No último painel da Pré-Cop 29, os painelistas debateram a importância da economia circular para um mundo mais sustentável. Para Perpétua Almeida, diretora de Economia Sustentável e Industrialização da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), o sucesso da economia circular passa, necessariamente, pela conscientização da população. “Se a gente não fizer esse processo de educação para o consumo, a gente não vai avançar.”  

Kalil Cury Filho, diretor titular adjunto do Departamento de Desenvolvimento  Sustentável da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), afirmou que os atores públicos, privados e a sociedade civil precisam se envolver com o tema. “A questão chave para fechar esse ciclo passa por políticas públicas que ajudem o processo econômico, mas que mobilizem o consumidor, porque, sem ele, essa cadeia não fecha.” 

O diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem, Jorge Soto, disse que a empresa adota práticas de economia circular há seis anos. Ele conta que o processo não é simples. “No nosso setor, é muito mais complexo implementar economia circular do que usar energias renováveis, porque o Brasil tem um diferencial muito grande no uso de renováveis, mas o fechar do ciclo dos recicláveis coloca muito desafios”, comparou.  

Valéria Michel, diretora de Sustentabilidade BR&SC da Tetra Park, também mencionou como a empresa tem tentado incorporar o conceito de circularidade a todas as etapas do processo produtivo. “Quando a gente pensa em um novo produto, ele já nasce com o que a gente chama de design for environment; tem que pensar o impacto que ele vai trazer ao meio ambiente”, concluiu.  

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