Um dos temas mais relevantes em debate na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16), que acontece em Cali, na Colômbia, diz respeito ao uso do patrimônio genético. O Brasil, que detém a maior biodiversidade do planeta – mais de 116 mil espécies animais e 46 mil espécies vegetais conhecidas – tem papel fundamental nessa discussão.
Toda essa riqueza natural é fonte para pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico, mas o acesso a esse patrimônio precisa ser feito por meio de regras que garantam a conservação dos recursos e a repartição justa e equitativa dos benefícios resultantes da exploração econômica dos produtos acabados.
Na última edição da COP da Biodiversidade, em 2022, no Canadá, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) estabeleceu um mecanismo multilateral global de repartição de benefícios provenientes do uso de informações de sequências genéticas digitais (DSI, na sigla em inglês), as quais são provenientes da biodiversidade.
Mas para avançar em uma solução sobre como e de que forma será calculada a repartição de benefícios, é preciso estabelecer os elementos necessários que permitam definir, com objetividade, o quanto deve ser pago e quem deve pagar a repartição de benefícios.
A COP16 pretende avançar nessas definições, e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que participa da conferência, preparou recomendações para auxiliar nas discussões. Antes disso, contudo, confira alguns pontos essenciais para entender o tema.
Proteção da biodiversidade
A biodiversidade é considerada um bem coletivo de cada país e por isso deve estar protegida por leis específicas, capazes de garantir que a informação genética das espécies seja utilizada de forma sustentável, protegida e conservada.
A regulação também é importante para assegurar a repartição de benefícios gerados a partir desses estudos científicos de forma justa e equitativa.
Patrimônio genético
É o conjunto de informações genéticas contidas nas plantas, nos animais e nos microrganismos, no todo ou em suas partes (cascas, folhas, raízes, pelos, penas, peles, etc.), estejam eles vivos ou mortos.
Também está contido em substâncias produzidas por esses organismos, como resinas, látex de plantas ou venenos de animais e substâncias químicas produzidas por microrganismos.
O patrimônio genético brasileiro está nos organismos que ocorrem de forma natural no Brasil, ou seja, de seres vivos nativos ou daqueles que adquiriram características específicas no território nacional.
Repartição de benefícios
É a divisão dos benefícios provenientes da exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo desenvolvido a partir do acesso a patrimônio genético ou a conhecimento tradicional associado. O Brasil já tem uma lei que regulamenta esse tema.
Como o Brasil protege seu patrimônio genético?
Em 2015 foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei nº 13.123, que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade.
Regras gerais para repartição de benefícios
O acesso ao patrimônio genético existente no país e a exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo desse acesso somente serão realizados mediante cadastro, autorização ou notificação, e serão submetidos a fiscalização, restrições e repartição de benefícios nos termos e nas condições estabelecidos nesta lei e no seu regulamento.
Os benefícios resultantes da exploração econômica serão repartidos de forma justa e equitativa. Estará sujeito à repartição de benefícios exclusivamente o fabricante do produto acabado ou o produtor do material reprodutivo, independentemente de quem tenha realizado o acesso anteriormente.
A repartição de benefícios poderá se dar de forma monetária ou não monetária.
Recomendações da CNI sobre o mecanismo global de acesso e repartição de benefícios
Para ajudar o Brasil a desenvolver o mecanismo multilateral global de repartição de benefícios oriundos do uso das informações da biodiversidade (DSI), CNI apresentou na COP16 algumas recomendações. Confira as principais:
- O acesso a DSI deve ser livre e isento da cobrança de taxas para não prejudicar os processos de pesquisa e inovação.
- A repartição de benefícios deve ser consequência de um processo de pesquisa e inovação que resultou em produto inovador que tem, em suas características, uma inovação decorrente do acesso, assim como é previsto na lei brasileira.
- O debate sobre a repartição de benefícios deve incluir questões sobre atividade que desencadeia a repartição de benefícios e o momento em que os benefícios são cobrados.
- Não deve ocorrer duplicação de pagamentos. Isso implica que entidades não devem pagar várias vezes pelo mesmo uso de DSI ao longo da cadeia de valor, nem pagar se já houver um acordo de repartição de benefícios conforme sistemas nacionais.
- A repartição de benefícios deve considerar o processo de desenvolvimento tecnológico (custos relacionados a recursos humanos, infraestrutura, pesquisa e outros). Isso significa que o valor de repartição de benefícios deve considerar os custos que o usuário teve para o desenvolvimento de produtos e/ou processos derivados de DSI.
- Como o mesmo DSI pode ser encontrado em mais de um país, a origem geográfica não é adequada como critério para a distribuição de fundos, já que pode penalizar países cujos recursos genéticos e DSI foram avaliados em menor grau e pode gerar conflitos entre países provedores do mesmo recurso genético e DSI. Um critério para a alocação dos recursos pode ser a quantidade de biodiversidade presente nos países para que implementem projetos de conservação e uso sustentável.
- Os benefícios devem ser utilizados em favor da conservação e do uso sustentável, apoiando o papel dos povos indígenas e comunidades locais como guardiões da biodiversidade. O Brasil, que já implementa a repartição de benefícios, pode apresentar casos de sucesso no apoio a projetos que visam à conservação e o uso sustentável da biodiversidade.