Especialista em estratégias de propriedade intelectual e licenciamento tecnológico, Cynthia Cannady, participou nesta terça-feira (26) da conferência livre Propriedade intelectual e transferência de tecnologia para inovação e sustentabilidade, organizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (FORTEC) e a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (ANPEI).
Fundadora da Intellectual Property for Sustainable Energy Ventures (IP*SEVA, na sigla em inglês), a consultora apresentou a palestra “Sucesso com PI em estratégia de inovação nacional: reflexões ao longo dos anos", em que falou sobre a importância da integração entre pesquisadores, instituições que trabalham com desenvolvimento e empresas que comercializam bens e serviços.
Bacharel pela Universidade de Stanford e doutora pela Harvard Law School, Cynthia é responsável pela concepção do curso Sucesso no Licenciamento Tecnológico (STL) e do workshop sobre Acordos de Colaboração e Desenvolvimento de Tecnologia. Como diretora de Propriedade Intelectual e Novas Tecnologias na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), entre 2011 e 2007, a especialista coordenou treinamentos internacionais sobre estratégia de PI, licenciamento, transferência de tecnologia, avaliação e gestão patrimonial de PI.
Com participação de especialistas acadêmicos, do mercado e de instituições governamentais, a conferência debateu diversos temas envolvendo o papel da PI no desenvolvimento industrial, incluindo a transferência de tecnologia. Esse processo foi usado, por exemplo, para viabilizar a produção pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Brasil, da vacina contra Covid-19 desenvolvida pela AstraZeneca.
O evento com seis painéis é um dos diversos encontros municipais e estaduais que tiveram início em 2023 e antecedem a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação - 5ª CNCTI, prevista para os dias 4, 5 e 6 de junho de 2024 e organizada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Leia a entrevista com Cynthia Cannady para Agência de Notícias da Indústria:
Como a propriedade intelectual pode contribuir para o desenvolvimento das organizações em termos de inovação e sustentabilidade?
A propriedade intelectual é ótima se você a domina e sabe o que fazer com ela. É uma ferramenta legal para ter propriedade sobre a tecnologia intangível. Isso é importante porque você não consegue ganhar dinheiro com uma ideia sob a qual você não tem controle. Um dos grandes mitos do desenvolvimento internacional é que só ter um sistema de PI estimula o desenvolvimento econômico. A verdade é que a PI pode ser uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento econômico, mas isso só acontece se esse sistema for acessível para cientistas e engenheiros. E as pessoas que negociam contratos precisam entender o que fazer com a PI. Esses são os obstáculos. Outro grande desafio é fazer com que esses ativos de PI se tornem produtos e sejam comercializados. Com uma boa estratégia, a PI pode contribuir para o desenvolvimento de empresas e de nações.
A PI é como qualquer propriedade: se você a possui e sabe o que fazer com ela, é ótima. E o inverso também é verdadeiro.
Por que a transferência de tecnologia é importante para as empresas e para a sociedade em geral? Como as pessoas podem se beneficiar?
A transferência de tecnologia ocorre de duas maneiras: pelo compartilhamento informal de informações ou por meio de contratos. A maioria das empresas não compartilha informalmente informações valiosas só pelo bem da humanidade (é triste, mas é verdade), portanto, na prática, transferência de tecnologia significa contratos. Esses contratos geralmente são acordos de licenciamento de PI de instituições de pesquisa para empresas em troca de dinheiro (chamados Academic Tech Transfer, em inglês) ou contratos de licenciamento de PI ou de colaboração de desenvolvimento entre empresas. Os contratos do segundo tipo podem ser muito importantes para as empresas e para a sociedade, mas é preciso que haja um benefício mútuo. Isso geralmente só é possível quando as duas partes não são concorrentes diretos, mas têm direitos de PI complementares. E a propriedade de PI de cada parte precisa estar clara. Em um ecossistema em que a propriedade de PI não é clara, é difícil fazer uma transferência real de tecnologia.
Na IP*SEVA, você ajuda as empresas que trabalham com fontes de energia sustentáveis a se desenvolverem por meio da propriedade intelectual. As estratégias para aumentar os lucros e expandir os mercados são restritas a grandes empresas ou podem ser aplicadas a empresas menores?
As pequenas empresas podem se beneficiar da PI, especialmente se seus principais ativos forem tecnologias intangíveis. Mas é difícil, a menos que o ecossistema seja realmente projetado para oferecer a elas condições equitativas. A maioria das pequenas empresas não têm orçamento para proteger suas invenções ou segredos comerciais em seus mercados e têm orçamentos de marketing limitados para tornar suas marcas registradas valiosas. Elas não têm conexões com as mentes poderosas das principais instituições de pesquisa. As grandes empresas querem tratá-las como empregadas e as pequenas empresas não têm o respaldo legal ou o poder de barganha para resistir a essa abordagem dominante. Além disso, há muita confusão sobre como contratos de PI funcionam. Essa é uma das razões pelas quais a IP*SEVA dedica tanto esforço a programas de treinamento para profissionais de PI.
Por que é importante que o governo, a academia e o setor privado se envolvam no aprimoramento do sistema de propriedade intelectual?
Sem ligações entre pesquisadores com institutos ou empresas que fazem desenvolvimento e empresas que comercializam bens ou serviços, o sistema de inovação não funciona muito bem. Todos eles precisam trabalhar juntos. Isso foi chamado de "hélice tripla” pelo pensador da inovação Henry Ezkowitz, mas é apenas senso comum. É um absurdo perigoso pensar que o setor privado constrói ativos de PI por conta própria. A PI é a estrutura legal que dá suporte a uma política industrial nacional que se concentra em setores críticos e apoia tanto os pesquisadores quanto as instituições de desenvolvimento para que as empresas comercializem.