Com a Indústria 4.0, novas oportunidades surgem para todos os trabalhadores brasileiros. E a demanda por profissionais de perfis cada vez mais diferentes entre si só aumenta. A pesquisadora de Economia de Gênero do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Regina Madallozo, acredita que a inclusão de pessoas com olhares diversificados se deve à busca das empresas para conquistar públicos variados e estar sempre evoluindo.
“As empresas se deram conta de que ter mulher, pessoas com orientações sexuais, cor ou raça diferentes e pessoas com deficiência, na verdade, é muito importante para atingir um público que não é tão quadradinho”, afirma Regina, que também é professora de Economia.
Em entrevista à Agência CNI de Notícias, ela explica que a 4ª Revolução Industrial vai reformular muitos métodos de trabalho e, mesmo com a chegada das máquinas, o ser humano não ficará de lado, apenas desenvolverá novas tarefas que exigem criatividade e raciocínio. Confira a entrevista completa:
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como a Indústria 4.0 incentiva a inclusão no mercado de trabalho?
REGINA MADALLOZO – Muito se fala sobre a questão da Indústria 4.0 levar em consideração mais pessoas que cursam faculdades ligadas às exatas como Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática e outras, que são onde nós temos poucas mulheres. Mas acredito que falta perceber que a 4ª Revolução também dá oportunidades, pois promove uma forma de participação mais flexível e menos engessada no mercado de trabalho. Até mesmo nos formatos – a distância, presencial e/ou para várias empresas ao mesmo tempo – e nas formas de nos relacionarmos. Isso é uma oportunidade interessante para quem deseja conciliar melhor a vida pessoal com o trabalho.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Você acredita que as empresas mais tecnológicas, que já estão inseridas na 4ª Revolução Industrial, oferecem mais oportunidades a pessoas com perfis diferentes?
REGINA MADALLOZO – O que essa nova indústria tem de diferente é uma necessidade muito grande de pessoas que sejam diversas entre si, não só na questão do sexo, mas em background de vida para conseguir evoluir.
Essas empresas precisam crescer de um jeito que a mudança seja absorvida facilmente, então é normal a gente ver mais inclusão nessas empresas tecnológicas. Elas já se deram conta de que ter mulher, ter pessoas com orientações sexuais, cor ou raça diferentes e pessoas com deficiência, na verdade, é muito importante para atingir um público que não é tão quadradinho. Por isso essas oportunidades parecem estar mais disponíveis nessas empresas e não nas outras.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – E o que as empresas que ainda não atuam dessa forma podem fazer para não ficar para trás?
REGINA MADALLOZO – O primeiro passo é perceber e se conscientizar de que há uma necessidade de incluir pessoas diferentes, seja no chão de fábrica ou em cargos executivos, pois assim surgem novas ideias e uma indústria mais criativa, com novas perspectivas para o crescimento.
Depois que a liderança dessas empresas entender isso, uma série de medidas podem ser tomadas em prol do crescimento e da evolução, que vão desde treinamentos contra os preconceitos na empresa; reformulação do sistema de recrutamento e seleção para que certas pessoas não sejam barradas; reavaliação dos métodos de promoção dentro da empresa para verificar se existe a meritocracia ou se outros grupos estão sendo penalizados por características pessoais que não influenciam na produtividade; entre outros.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Ainda existem muitos desafios no ingresso de mulheres na indústria?
REGINA MADALLOZO – Bom, acho que os desafios são basicamente os mesmos. A gente tem um problema muito grande de má distribuição do trabalho não remunerado. Embora os homens tenham uma participação significativa e com tendência de aumento nas horas de afazeres domésticos no Brasil, eles ainda fazem menos trabalho doméstico e têm muito menos responsabilidade familiar, pois essas são algumas das tarefas que ainda são ligadas, culturalmente, à figura da mulher.
Também temos o problema de meninas e mulheres não conseguirem se identificar com carreiras que ainda são muito masculinas. Nós temos poucas mulheres nas áreas de Engenharia e de Economia, por exemplo, que exigem uma parte quantitativa muito grande e parecem não ser muito acolhedoras para elas.
Entretanto, já existem vários trabalhos sendo feitos por pesquisadoras para mostrar que qualquer trabalho pode ser desempenhado pelas mulheres. O objetivo é mostrar o sucesso feminino nessas áreas, tipicamente masculinas, para que meninas do ensino fundamental e médio vejam as possibilidades e digam: “Nossa! Eu gostaria de ser exatamente como essa pessoa”. Dar visibilidade para cases como das mulheres que assumiram funções importantes na Microsoft, AIRBNB e Google, entre outras, é uma das formas de incentivo desse estudo.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Há maior interesse das mulheres por cursos nas áreas tecnológicas?
REGINA MADALLOZO – Não acredito que seja um interesse de agora, mas, culturalmente, a gente evoluiu a ponto de mostrar mais mulheres que trabalham nessas áreas. No passado, já tínhamos bastante participação delas em campos que exigiam muita matemática. O início da computação, por exemplo, foi baseado no trabalho de mulheres, mas depois que foi dado como “trabalho de homens” por exigir pouca comunicação social e muito foco na programação, parece que o estereótipo da mulher não cabia naquela profissão e elas foram abandonando a área.
Agora que a gente sabe da necessidade de criatividade e de interação com o consumidor, entendemos que elas podem e devem estar na indústria e isso faz com que elas tenham mais interesse em buscar esses trabalhos.
*Regina Madallozo é professora associada no Insper, onde atua desde 2002 e, atualmente, coordena o mestrado profissional em Economia. Sua área de pesquisa é economia do trabalho com foco no mercado de trabalho de mulheres.