Regulamentos dispersos em mais de 30 órgãos do governo federal, sobreposição de regulamentos técnicos e regulamentação excessiva de itens são as principais dificuldades encontradas pelas indústrias no sistema de garantias da qualidade de produtos e serviços brasileiro. Os dados são da Sondagem Especial: Infraestrutura da Qualidade Industrial, realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
De acordo com a pesquisa, as principais dificuldades para as empresas se manterem atualizadas em relação às normas técnicas e requisitos técnicos são:
- grande quantidade de normas e regulamentos técnicos existentes (50% das respostas);
- grande quantidade de órgãos que produzem normas e regulamentos técnicos (29% das respostas);
- velocidade de mudança nas normas e regulamentos técnicos (25% das respostas).
A CNI ouviu 1,7 mil empresas das indústrias extrativa e de transformação. Destas, 704 são pequenas, 589 são médias e 407 são grandes.
A reclamação do setor industrial não é sobre manter os produtos em conformidade com os padrões de qualidade, o que é visto como investimento e parte da atividade empresarial, mas sobre os pontos críticos elencados. É comum, por exemplo, a regulamentação de um produto sem que seja feita uma análise prévia, para identificar se ele representa riscos para o consumidor e para o meio ambiente. A CNI avalia que essa análise é fundamental para reduzir os excessos.
Ainda de acordo com a sondagem, para 65% das empresas entrevistadas, o sistema é considerado oneroso.
Dificuldades em compreender e acompanhar exigências prejudicam pequenas
Os regulamentos estão dispersos entre diversos órgãos públicos, como Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que estabelecem padrões, fiscalizam o cumprimento dessas determinações e multam as empresas que estiverem em desacordo.
Além deles, existem também os padrões privados estabelecidos nacionalmente pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e, internacionalmente, por outras instituições, como ISO, IEC e ITU.
A consequência dessa dispersão é que apenas 27% das pequenas empresas afirmaram conhecer todas as exigências técnicas e 38% disseram conhecer a maior parte delas, enquanto o conhecimento das grandes empresas chegou a 56% e 32%, respectivamente.
“A pesquisa mostra que as empresas mais impactadas são as pequenas, que têm menos condições de acompanhar e entender as exigências atuais”, afirma a gerente de Estratégia e Competitividade da CNI, a economista Maria Carolina Marques.
Quando perguntadas onde estão informados os requisitos técnicos dos produtos ou serviços prestados por elas, 23% das empresas não souberam ou não quiseram responder, percentual que é maior entre as pequenas indústrias e chega a 32%.
Indústrias fazem testes de qualidade de forma voluntária
A pesquisa também respondeu uma dúvida persistente dentro do governo: se um produto não for regulamentado, será que a empresa seguirá os padrões de qualidade? Os dados mostram que a relação entre as indústrias, seus fornecedores e compradores, leva à busca pela qualidade industrial.
Entre as indústrias que seguem padrões privados, 71% realizaram testes ou ensaios nos últimos 12 meses para atestar a qualidade de seus produtos, percentual semelhante (72%) ao das indústrias sujeitas a regulamentos exigidos por órgãos do governo.
“A pesquisa revela que a obrigatoriedade do requisito de qualidade não é um fator determinante para o comprometimento das empresas com boas práticas de garantia da conformidade dos produtos. Seguir normas privadas pode ajudar as empresas a melhorar seus processos, aumentar a satisfação do cliente e alcançar um reconhecimento mais amplo no mercado nacional e internacional”, explica Maria Carolina Marques.
A adoção dessa boa prática só é menor entre as empresas que não souberam informar sequer a fonte dos requisitos técnicos de seus produtos, grupo no qual apenas 15% realizaram a contratação de testes e ensaios no ano anterior à pesquisa.
CNI propõe plataforma única com informações sobre regulamentos técnicos
A sondagem realizada pela CNI é uma contribuição do setor industrial para orientar a Estratégia Nacional de Infraestrutura da Qualidade do governo brasileiro, um instrumento para dar suporte ao setor produtivo de forma efetiva e garantir uma infraestrutura de qualidade robusta. O documento foi entregue no início de fevereiro para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
A CNI propôs ao governo elaborar uma plataforma on-line para registro de todos os regulamentos federais vigentes por produto ou atividade econômica. “É uma forma de resolver um problema sério, pois o grande número de reguladores resulta em uma dificuldade para as empresas identificarem as regulações e regulamentos a que estão submetidas e que precisam seguir. Além disso, também falta interação entre as autoridades reguladoras e, por isso, surgem regulações e regulamentos redundantes ou até mesmo incompatíveis, que tratam do mesmo produto ou atividade”, explica a gerente de Estratégia e Competitividade da CNI.
Outro problema a ser resolvido é o fato de as empresas enfrentarem pesadas multas por conta de não conformidades identificadas em seus produtos, mesmo aquelas em que não há risco significativo à saúde nem à segurança dos consumidores ou ao meio ambiente.
A proposta da CNI é estabelecer um processo de dupla visita orientadora para fiscalizações de produtos com baixo risco à saúde e à segurança dos consumidores ou ao meio ambiente, com possibilidade de substituição de multas por avisos e instruções sobre as adaptações necessárias, em especial para empresas com histórico de conformidade.
O que é o sistema de garantia da qualidade de produtos?
O sistema de garantia da qualidade de produtos é constituído por componentes privados, baseados em normas técnicas e boas práticas adotadas voluntariamente pela indústria, e públicos, com regulamentos técnicos de caráter compulsório e fiscalização conduzidos pelo governo.
O objetivo da regulamentação é proteger os consumidores, manter a concorrência justa e garantir a estabilidade do mercado.
Essas normas podem se referir a uma variedade de aspectos, incluindo qualidade do produto, segurança, eficiência operacional, responsabilidade ambiental, entre outros. Seguir essas normas pode ajudar as empresas a melhorar seus processos, aumentar a satisfação do cliente e alcançar um reconhecimento mais amplo no mercado nacional e internacional.
Consumidor brasileiro valoriza a qualidade, mas prioriza preço
A sondagem também revelou que sete em cada 10 empresários industriais concordam totalmente ou em parte que o consumidor brasileiro valoriza a qualidade dos produtos, e a concordância é maior conforme o porte da empresa: 76% entre as grandes, 72% entre as médias e 65% entre as pequenas. Apesar da percepção, 77% dos respondentes concordam totalmente ou em parte que os consumidores priorizam preço à qualidade - sem diferença por porte das companhias.
Ainda que o principal critério de escolha do consumidor seja o preço, 72% dos empresários industriais concordam totalmente ou em parte que as empresas percebem os benefícios de investir na qualidade de seus produtos e serviços: o índice de resposta foi de 66% para pequenas empresas, 74% para médias e 78% para grandes.