
Nos dias 11 e 12 de março, especialistas, educadores e gestores escolares estão reunidos em Brasília para discutir os rumos da educação integral no país. O evento, promovido pelo Serviço Social da Indústria (SESI) em parceria com o Futura, da Fundação Roberto Marinho, integra a programação do Festival SESI de Educação e propõe um olhar ampliado sobre a formação dos estudantes.
Com o tema Construindo caminhos para a Educação Integral, o seminário vai além da ampliação do tempo na escola, abordando o desenvolvimento dos alunos em múltiplas dimensões: intelectual, física, emocional, social e cultural. A iniciativa busca alinhar a educação brasileira às transformações do mundo do trabalho e à necessidade de formar profissionais para carreiras que ainda nem existem.
Para Rafael Lucchesi, diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI e diretor-superintendente do SESI, debater o futuro da educação é essencial o Brasil conseguir acompanhar as mudanças globais.
“A competitividade da indústria e do país estão diretamente ligadas à produtividade do trabalho, e a produtividade depende da qualidade da educação. Por isso, é fundamental investir em uma educação moderna, transformadora e integral.”, afirma Lucchesi.

O SESI defende que a educação integral deve considerar a tecnologia como ferramenta essencial, sem abrir mão da convivência social e da interação presencial. “Hoje, o Brasil tem uma forte oposição à educação a distância, como se fosse sinônimo de ensino ruim ou precário. No mundo e no SESI, temos vários exemplos de excelência no uso de tecnologia, que pode ser um grande aliado para transformar a qualidade da educação no país”, afirma Lucchesi.
Dentro do cenário de construção do SESI, Fausto Augusto Junior, presidente do Conselho Nacional SESI, chama a atenção para o objetivo de criação da rede, que se constituiu para efetivar direitos básicos sociais no Brasil e a educação era um deles. Hoje, o principal desafio é continuar esse trabalho e apoiar a educação pública brasileira. “O nosso papel é avançar e ajudar a educação pública a alcançar o patamar de qualidade que ela precisa ter”, declara.
Educação integral deve ir além do tempo na escola
A educação integral não se limita ao tempo que os estudantes passam na escola. O modelo deve abranger todas as dimensões da formação – intelectual, social e cultural –, preparando crianças e jovens para os desafios da sociedade e do novo mercado de trabalho.
Segundo João Alegria, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, a escola precisa ir além do ensino tradicional e desenvolver competências essenciais para a vida profissional e social. “A educação integral é sobre garantir que os alunos não tenham apenas conhecimento acadêmico, mas também habilidades, valores e competências para viver e trabalhar em um mundo em constante transformação”, afirma.
No cenário atual, marcado por mudanças aceleradas devido à digitalização e à transição para uma economia sustentável, habilidades como flexibilidade, criatividade, pensamento crítico e colaboração tornam-se cada vez mais indispensáveis. Por isso, João Alegria defende que a educação integral deve estar conectada à realidade da comunidade e aos desafios contemporâneos, ampliando o aprendizado para além da sala de aula.
A conexão entre emoções, aprendizado e saúde mental na escola
Especialistas debatem como a neurociência das emoções pode contribuir para uma educação mais eficaz e equilibrada
O primeiro painel do Seminário Internacional SESI de Educação “Neurociência das emoções" reuniu grandes especialistas para discutir como a neurociência pode transformar a forma como ensinamos e aprendemos.
A mesa contou com a participação do keynote speaker Hector Ruiz Martin, da Universidad Autónoma de Madrid, além de Renato Noguera, professor da UFRRJ, e Guilherme Brockington, pesquisador da Rede D'Or de Pesquisa. A mediação ficou por conta de Ana Luiza Amaral, especialista do SESI.
Motivação, e não emoção, é a chave para a aprendizagem
As emoções têm um papel importante no aprendizado, mas não da forma que muitos imaginam. O keynote speaker, Hector Ruiz Martin, da Universidad Autónoma de Madrid, destacou que, embora as emoções modelem a memória, isso não significa que experiências altamente emocionais na escola garantam um ensino mais eficaz.
"Não é correto pensar que criar uma experiência espetacular na aula melhora o aprendizado. A criança pode lembrar da experiência, mas não necessariamente do conteúdo em si. O que realmente sustenta a aprendizagem é a motivação, pois é ela que mantém o foco e o esforço necessários para alcançar um objetivo", afirmou o especialista.
Mas do que depende essa motivação? O especialista explica que a motivação parte do interesse, que pode ser intrínseco, quando há uma necessidade genuína de saber, ou situacional, quando o contexto desperta a curiosidade dos alunos. É preciso responder à principal dúvida dos estudantes: por que preciso aprender isso?
Hector afirma que o grande problema é que, muitas vezes, as aulas oferecem respostas para perguntas que os alunos sequer foram apresentados, sem um contexto que justifique a necessidade daquele conhecimento. Criar esse vínculo é essencial para engajá-los.
Além disso, há o valor extrínseco da aprendizagem – quando os alunos entendem a importância de aprender algo para alcançar um objetivo. Isso vai além de notas ou prêmios; trata-se de reconhecer o impacto do conhecimento na sociedade e na própria vida.
"Os estudantes precisam enxergar que aprender tem um propósito maior, seja para criar impacto no mundo ao seu redor ou pelo reconhecimento social. A motivação cresce quando eles compreendem não apenas as consequências de não aprender, mas também os benefícios concretos que o conhecimento pode trazer", ressaltou o palestrante.
Dessa forma, ele afirma que a escola precisa ir além de despertar emoções momentâneas e focar em estratégias que estimulem a motivação dos alunos, conectando o aprendizado com suas realidades e aspirações.
A importância das emoções na aprendizagem escolar
As emoções desempenham um papel essencial no aprendizado, mas nem sempre são reconhecidas dentro da sala de aula. Durante o Seminário Internacional SESI de Educação, o pesquisador Guilherme Brockington, da Rede D'Or de Pesquisa, ressaltou que a forma como lidamos com nossas emoções é algo que aprendemos e não com o qual nascemos.
"Sempre que falamos sobre emoções, é importante entender que a maneira como lidamos com elas é algo aprendido pelas experiências que vivemos” explicou Brockington, destacando como a incapacidade de gerenciar emoções pode ter efeitos duradouros.
Ele ainda citou Star Wars para ilustrar como a falta de controle emocional pode transformar um indivíduo em um vilão. “Um adolescente que não sabe lidar com a frustração e a raiva cria o maior vilão de todos os tempos”, comentou.
Além disso, criticou a cultura de punição nas escolas, que muitas vezes é vista como necessária para a educação. "Tratar mal as pessoas não ajuda na aprendizagem. A dureza, mesmo sem violência física, tem um impacto negativo na vida dos estudantes”, afirmou.
Brockington também enfatizou que aprender é, na essência, um ato emocional. "Se o aluno tem um vínculo positivo com a escola, ele aprende e continua. Mas emoções como ansiedade e frustração podem atrapalhar esse processo", alertou.
Por fim, o pesquisador provocou os educadores: "Os professores devem se perguntar: o que estou causando nos meus alunos? Quando entendemos o impacto que geramos no outro, começamos a compreender melhor o que acontece dentro de nós mesmos."
Aprendizado como caminho para a vida plena e o equilíbrio
O professor Renato Noguera, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), abordou a conexão entre o aprendizado e a maneira como lidamos com a natureza, com os outros e conosco. Noguera destacou que existem contextos culturais que alimentam a violência, muitas vezes estimulada pela raiva e o medo, o que reforça a ideia de poder sobre os outros. Esse ciclo afeta diretamente os nossos sentimentos e interações.
Nogueira propôs que a educação deve ser estruturada para criar dispositivos que ensinem o respeito à vida e ao cuidado, tornando esses valores inegociáveis. Para ele, a aprendizagem deve ir além do simples conteúdo acadêmico; é preciso promover um aprendizado que forme seres humanos mais empáticos e conscientes.
“Eu colocaria rituais nas escolas para promover campos de imaginação. Onde os meninos, por exemplo, aprenderiam sobre paternidade brincando de bonecas, entendendo a dicotomia de gênero não como uma verdade absoluta, mas como uma construção”, sugeriu Noguera.
Ele também abordou a questão do racismo, observando que este é um medo originado na cultura eurocêntrica, que, ao longo da história, não conseguiu enxergar o valor da diversidade cultural. Para ele, o aprendizado deve ser pautado pela reflexão sobre como podemos aprender com o outro.
O professor levantou ainda a questão das relações de poder dentro da escola e da família. Segundo Noguera, é fundamental criar um ambiente afetivo, onde as relações de poder não sejam baseadas no uso excessivo da força. “A violência se torna um recurso quando não temos um exercício de equilíbrio ou controle sobre nossas emoções e ações”, explicou o professor.
Por fim, Noguera argumentou que, na educação, é essencial criar territórios de segurança psicológica, onde as pessoas possam errar e acertar sem a pressão de serem a melhor versão de si mesmas, mas, acima de tudo, respeitando os outros. “Nós não precisamos amar todo mundo com a mesma intensidade o tempo todo, mas o respeito deve ser inegociável”, concluiu Renato Noguera.