A gestão eficiente do uso da água tem sido uma diretriz cada vez mais presente na indústria brasileira. Setores e empresas que utilizam grande volume desse insumo nos seus processos produtivos, como sucroenergético, mineração e petroquímico, têm apresentado experiências de sucesso e resultados inspiradores.
A preocupação se dá em um contexto em que a insegurança hídrica ameaça a população e as atividades econômicas do país. Estimativa do Plano Nacional de Segurança Hídrica (PNSH) indica que, se não houver mudança de rumo, até 2035, cerca de 74 milhões de brasileiros vão enfrentar algum grau de dificuldade de acesso à água de qualidade.
Isso porque, embora o Brasil concentre 12% da reserva hídrica mundial, 81% das águas superficiais estão na Região Hidrográfica Amazônica, onde vivem menos de 10% da população do país. O semiárido nordestino, por outro lado, abriga mais de 50% da população da região e sofre historicamente com escassez de água.
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Para completar, de acordo com dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), desde 2012 diferentes regiões do país têm enfrentado situações de escassez hídrica, ao mesmo tempo em que há uma crescente demanda por água, especialmente devido ao crescimento populacional e desenvolvimento econômico.
Para o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo, é preciso um olhar mais atento para a gestão hídrica no país.
“Além de afetar diretamente na competitividade da indústria, a oferta de água de qualidade e melhores condições para o seu uso têm impacto direto no bem-estar populacional, promovendo melhorias nos índices de saúde e educação”, diz.
No âmbito da indústria, Bomtempo destaca que os desafios são complexos, mas que estão sendo enfrentados.
“A busca por soluções sustentáveis em diversos setores da indústria tem ajudado a reverter previsões catastróficas em relação ao futuro da oferta de água. Esses bons exemplos também contribuem com a retomada econômica e no enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas. É preciso, porém, de investimento governamental em saneamento básico e infraestrutura, que ajudam a preservar a qualidade da água e a prevenir perdas no processo de distribuição”, completa.
Água reciclada pode abastecer cidades
Uma empresa que mostra que é possível fazer essa transformação é o Aquapolo Ambiental, especializada em reciclagem de água a partir de efluente tratado. A companhia tem sido um exemplo por atuar com êxito no Polo Petroquímico de Capuava, no ABC paulista, região de alta escassez hídrica.
Mesmo entre 2014 e 2015, quando o estado de São Paulo sofreu com a crise hídrica, os clientes do Aquapolo tiveram o abastecimento de água garantido.
“Ao utilizarem a água produzida e fornecida pelo Aquapolo, essas empresas deixam de competir com os demais consumidores por água, eliminando seus riscos operacionais decorrentes do recurso hídrico, ao mesmo tempo em que contribuem para a ampliação da disponibilidade hídrica para a população”, explica o diretor-presidente da empresa, Marcio da Silva José.
De acordo com o executivo, nos dez anos de operação do Aquapolo, foram fornecidos mais de 108 bilhões de litros de água reciclada – o volume é suficiente para manter uma cidade de 300 mil habitantes durante o mesmo período.
“Buscar o melhor uso da água é fundamental para a humanidade. A água, além de ser um recurso finito, devido às ações da sociedade e às mudanças climáticas, tem suas fontes naturais cada vez mais poluídas e escassas. Por isso a importância de considerarmos os princípios da economia circular, não só no uso de materiais e na destinação de resíduos, mas também para esse recurso. No Brasil, reciclamos diversos materiais como alumínio, vidro, plástico, metais, entre outros, por que não reciclar o bem mais importante para a vida no planeta?”, questiona.
Produção de cana-de-açúcar reduz 60% na demanda de água
O bom exemplo no uso eficiente do recurso também está presente em setores que usam muita água como insumo, como o sucroenegético. De acordo com a coordenadora de Sustentabilidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), Renata Camargo, há décadas o setor adota uma postura voltada à conservação e ao reúso de água, estabelecendo programas de gestão ambiental e de preservação dos recursos hídricos, evitando o desperdício de água na cadeia produtiva.
“Especialmente em um cenário de mudanças climáticas, buscar as melhores práticas e tecnologias sobre a gestão dos recursos hídricos é mais que uma estratégia, trata-se de uma necessidade e um compromisso”, justifica.
Dados da Unica mostram que, no período entre 1990 e 2021, no estado de São Paulo, o setor conseguiu reduzir aproximadamente 60% a demanda absoluta de água, enquanto a produção de cana aumentou, no mesmo período, cerca de 150%.
Entre as ações do setor para alcançar esse resultado, ela cita fechamento dos circuitos na indústria; eliminação da queima como método agrícola pré-colheita, pondo fim à necessidade de lavagem prévia da cana antes do processamento; e a fertirrigação com vinhaça.
80% da água consumida é reutilizada na mineração
Outro setor que tem alcançado bons resultados é o de mineração, que tem investido em recirculação de água, sistemas adaptativos de captação e no aproveitamento de efluentes tratados, método conhecido como reúso.
De acordo com a gerente de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Cláudia Salles, as principais empresas mineradoras brasileiras reutilizam mais de 80% da água consumida em seus processos de lavagem e beneficiamento de minérios. Há iniciativas, também, para a disponibilização de água subterrânea aos cursos hídricos superficiais captada a partir do rebaixamento de lençol freático, aumentando assim, a disponibilidade hídrica naquele território.
Segundo ela, a meta de produzir mais, com menor custo, e com menor consumo de recursos naturais, constitui fator de competitividade para as empresas de mineração comprometidas com a sustentabilidade nas operações.
“A indústria de mineração tem um papel importante a desempenhar na gestão sustentável dos recursos hídricos, onde as empresas estão ativas. Estratégias proativas e holísticas de gerenciamento de água podem criar uma vantagem substancial por meio da redução do risco relacionado à água, identificando oportunidades, atraindo investimentos e criando confiança mediante uma melhor transparência”, pontua.