O mundo está se tornando mais global e interconectado todos os dias. Instituições como as corporações multinacionais, processos sociais como movimentos sociais e políticos e fluxos ambientais como as mudanças climáticas e o destino da humanidade estão cada vez mais interligados, afirma a norte-americana April Rinne, especialista em nova economia, inovação disruptiva e futuro do trabalho e fundadora da April Worldwide.
“As novas tecnologias facilitam o trabalho de mais pessoas de várias maneiras. O aumento de trabalhadores independentes e trabalhadores remotos é exemplo disso”, diz a mestre em Negócios Internacionais pela The Fletcher School, da prestigiada Universidade Tufts, nos Estados Unidos. Leia a íntegra da entrevista:
REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Como você avalia as mudanças que as novas tecnologias (inteligência artificial, IoT, blockchain) vêm tendo no modo de produção na indústria?
APRIL RINNE - As novas tecnologias estão afetando, interrompendo e, em alguns casos, transformando quase todos os aspectos da vida e dos negócios. Isso inclui tanto a produção quanto o consumo e tem implicações para a iniciativa privada, as políticas públicas e a sociedade como um todo. Como acontece com qualquer inovação, pode haver lados claros e escuros, tanto novas oportunidades quanto novos desafios.
Por exemplo, automação e inteligência artificial podem aumentar a capacidade dos humanos de fazerem algumas coisas, mas também pode eliminar empregos. A automação tende a aumentar a produtividade e a eficiência, mas pode ter um custo para os seres humanos, os relacionamentos e o bem-estar.
REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Em termos de mercado de trabalho, quais são os riscos e as oportunidades que a inteligência artificial e a automação trazem para o processo de inovação? Fala-se muito que haverá cortes de empregos. O que você acha?
APRIL RINNE - Simplificando, as novas tecnologias facilitam o trabalho de mais pessoas de várias maneiras. O aumento de trabalhadores independentes e trabalhadores remotos é exemplo disso. Trabalhadores autônomos ou independentes, ou ainda freelancers, não são funcionários: eles não têm funções em tempo integral em uma empresa. Eles têm maior flexibilidade e independência, mas também possuem menos redes de segurança social. Nos Estados Unidos, os freelancers já representam 35% de toda a força de trabalho.
REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O teletrabalho também faz parte dessas transformações?
APRIL RINNE - Sim. Há ainda os trabalhadores remotos, pessoas que trabalham em outro local, não no escritório. Eles podem trabalhar em casa ou podem trabalhar em outro país. Há grandes vantagens tanto para os trabalhadores quanto para as empresas, que passam a ter acesso a muito mais talentos e os indivíduos podem ter mais flexibilidade em termos de onde vivem e trabalham.
REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Essas mudanças começam a ser percebidas com mais intensidade no Brasil?
APRIL RINNE - Certamente. São transformações de alcance global e já estão afetando o Brasil também. Por exemplo, as empresas brasileiras podem acessar talentos globalmente, e os talentos brasileiros podem acessar oportunidades globais em um nível que eles não conseguiam fazer até alguns anos atrás. Não há dúvida de que haverá um número significativo de trabalhos eliminados como resultado de automação e inteligência artificial.
REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Que empregos podem ser criados?
APRIL RINNE -Não sabemos ainda. Mas nesse contexto, é importante ter em mente a importância da política pública para garantir que não estamos caminhando para uma situação de desemprego em massa ou crise social.
REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Que exemplos de boas políticas públicas você poderia citar no campo da inovação?
APRIL RINNE -Em Tulsa, Oklahoma, tem uma entidade sem fins lucrativos, o Tulsa Remote, que estimula pessoas que trabalham remotamente a se mudarem para cidade, com um incentivo que pode chegar até a US$ 10 mil ao longo de um ano. Além disso, o programa oferece espaço de escritório comunitário gratuito e oportunidade de networking para os recém-chegados. Houve mais de 10 mil candidatos no primeiro ano do programa.
Outro exemplo interessante é o da Estônia, que criou um programa de residência eletrônica, o e-Residency, que oferece às pessoas de todo o mundo acesso online aos seus serviços governamentais. Eu também sou uma residente eletrônica. O E-Residency funciona por meio de um cartão de identificação inteligente que permite acessar com segurança diversos serviços, como abrir e administrar uma empresa, de qualquer lugar do mundo, desde que se tenha acesso a um computador e internet.
REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - São estratégias diferentes?
APRIL RINNE -Exato. Essas abordagens políticas são muito diferentes, sobretudo quando comparadas ao investimento em fábricas ou empregos. É cada vez mais sobre investir em redes de talentos, apoiar talentos onde quer que estejam e olhar de forma muito mais ampla para o desenvolvimento econômico. O futuro do Brasil dependerá, em parte, de como ele se posiciona globalmente e vis-à-vis em relação a outros países, incluindo mudanças que estimulem habilidades digitais e facilidade de fazer um trabalho sem fronteiras.