A aprovação da reforma da Previdência Social significa sair da beirada do precipício e voltar a nadar na planície, afirma José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos. Segundo ele, mudanças nas regras de concessão de aposentadorias e pensões são importantes tanto do ponto de vista fiscal quando de justiça social. “A consequência da reforma da Previdência é reverter essa trajetória de deterioração fiscal e, consequentemente, diminuir as incertezas quanto à probabilidade de insolvência do setor público brasileiro”, afirma. Confira a entrevista publicada na revista Indústria Brasileira.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Qual é a importância de se aprovar uma reforma da Previdência nesse momento pelo qual passa a economia brasileira?
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO - A reforma da Previdência Social é absolutamente fundamental do ponto de vista fiscal. O Brasil tem 9,5% da população com 65 anos ou mais e gasta 14% do PIB com previdência e assistência social. Países que têm 9,5% da população com 65 anos ou mais gastam, em média, 4,5% do PIB com previdência social. O Brasil gasta com previdência, como proporção do PIB, o que o Japão gasta, que tem três vezes mais idosos que o Brasil como proporção da população. Além disso, o sistema de previdência social brasileiro é extremamente desigual. Os funcionários públicos têm um sistema de previdência muito mais privilegiado do que os trabalhadores do setor privado. Esse é um ponto fundamental.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O contexto atual também complica o problema?
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO - Certamente. O Brasil tem uma trajetória fiscal bastante problemática. Em pouco mais de quatro anos, a nossa dívida passou de 50% para 70% do PIB porque tivemos déficits primários sistemáticos ao longo desse período.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Quais as consequências dessa votação para o país?
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO - A consequência da reforma da Previdência é a reversão da trajetória de deterioração fiscal e, consequentemente, a diminuição das incertezas quanto à probabilidade de insolvência do setor público brasileiro. Isso significa aumentar as expectativas em relação à sustentabilidade do teto e, portanto, ter taxas de juros mais baixas, atrair mais investimentos e retomar uma trajetória de crescimento ainda em 2019. No quarto trimestre deste ano, podemos crescer em relação ao terceiro, algo em torno de 2% anualizados porque se vai retomar a confiança no país. Esse é um ponto fundamental. A aprovação da reforma significa sair da beirada do precipício, ou seja, voltar a nadar na planície.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O que o senhor classifica como uma reforma boa?
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO - O projeto original da reforma que está sendo discutido é bastante bom e o relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) também é bom. Ele muda algumas coisas e diminui um pouco a potência fiscal, mas a sensação é que você vai ter uma reforma que vai significar uma poupança de algo entre R$ 900 bilhões e R$ 1,1 trilhão. Isso é muito bom, mas acho que o relator deveria ter mantido a possibilidade de instituir um sistema de capitalização no Brasil. Da mesma forma, eu acho inacreditável que você tenha uma cláusula que permite que os professores tenham idade mínima para se aposentar menor do que o resto da população. Não faz nenhum sentido o professor se aposentar antes do que as outras ocupações.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O que o senhor acha da idade mínima proposta pelo relator de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres?
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO - Eu iria preferir que a idade mínima fosse igual para homens e mulheres. Na maior parte dos países do mundo a idade mínima é igual para ambos. Não existe nenhuma razão para a idade mínima das mulheres ser menor do que a idade mínima dos homens. Na verdade as mulheres, em média, vivem mais do que os homens. Isso significa que elas deveriam ter idade mínima maior, porque vão ficar mais tempo aposentadas. Não vejo nenhuma razão para ter idade mínima diferente, mas se isso é uma condição para conseguir aprovar a reforma, tudo bem, a concessão faz sentido.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O que mudou nos últimos anos em relação à reforma?
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO - A sociedade está percebendo que, sem a reforma, é muito difícil ter recursos para outros setores da economia. Na verdade, parece que está cada vez mais claro para todo mundo que o atual sistema de Previdência Social é insustentável no sentido de que, eventualmente, ele vai se apropriar de todo o recurso que for gerado para financiar o Estado. De 1988 para cá, com a nova Constituição, saímos de uma situação em que o gasto público era um pouco mais de 10% do PIB e hoje é mais de 20%, e fundamentalmente por causa de aumento do gasto com Previdência, assistência e funcionalismo público. Essa trajetória é insustentável e a sociedade começa a reconhecer isso.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Que outras reformas são necessárias?
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO - É preciso simplificar o sistema tributário, fazer uma reforma para diminuir a rigidez orçamentária e para tornar o orçamento impositivo e rediscutir as regras do serviço público para torná-lo menos burocrático e mais eficiente.