Instalada entre os municípios de Agudo do Sul e Nova Palma, a Usina Hidrelétrica de Dona Francisca utiliza as águas do Rio Jacuí, no Rio Grande do Sul, para gerar até 125 megawatts –energia suficiente para abastecer uma cidade com 350 mil habitantes. Para criar a barragem da usina, foram alagados 2.098 hectares, atingindo famílias de 6 municípios gaúchos.
Desde 2019, um sistema totalmente digital monitora 24 horas por dia as condições de segurança da área alagada. Para que isso fosse possível, sensores foram instalados na barragem e imagens feitas por drones mostram em tempo real como a estrutura se comporta de acordo com mudanças em fatores hidrológicos e climáticos.
“A barragem é o elemento mais crítico em uma usina hidrelétrica. Atualmente, as leituras são realizadas por meio de operadores locais com uma frequência semanal e em locais de difícil acesso. As informações em tempo real permitem mais leituras e melhor precisão, não expondo os operadores a riscos. O processamento de imagens prevê voos regulares e autônomos, com drones que inspecionam todas as encostas e maciço de concreto da barragem, buscando falhas e patologias que podem ser consideradas críticas. O sistema foi concebido com a participação de engenheiros e geólogos, traduzindo todo o conhecimento adquirido na operação da usina para algoritmos que indicam possíveis falhas”, explica Paulo Kafer, diretor da Dona Francisca Energética S.A.
O sistema inteligente de monitoramento também acompanha mudanças em condições externas como clima, nível do lago, temperatura e umidade do solo, tornando o processo de gerenciamento e operação da barragem mais confiável e facilitando a tomada de decisões. A ferramenta foi desenvolvida pelo Instituto SENAI de Inovação de Sistemas Embarcados, um dos centros de pesquisa criados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) para fomentar a pesquisa aplicada e desenvolver soluções para aumentar a produtividade da indústria do país. No caso da Usina Hidrelétrica de Dona Francisca, a tecnologia também aumenta a segurança das pessoas que vivem nas margens do do Rio Jacuí.
“As previsões de vazão baseadas em meteorologia e hidrologia permitem detectar enchentes com antecedência de até 50 horas, sendo possível, com auxílio da Defesa Civil local, a retirada das famílias que residem na zona ribeirinha. A iniciativa evita perdas maiores do que as provocadas pelas enchentes costumeiras nessa região”, destaca Kafer. A automação da Usina Hidrelétrica de Dona Francisca mostra que as inovações características da indústria 4.0 –como internet das coisas, computação em nuvem e inteligência artificial– podem ser usadas para aumentar a produtividade e a eficiência de empresas de diversos segmentos, mas onde a indústria pode buscar parcerias para resolver problemas específicos?
Rede SENAI de Inovação e tecnologia
O Instituto SENAI de Inovação de Sistemas Embarcados está instalado em Florianópolis, em Santa Catarina, mas atende demandas de empresas de todo o país. Ele faz parte de uma rede de 26 centros de pesquisa de alta complexidade que se dedicam a temas fundamentais para o fomento da inovação no setor produtivo, como microeletrônica, sistemas elétricos, energias renováveis, sistemas virtuais de produção, tecnologias minerais, engenharia de polímeros, biotecnologia, eletroquímica, processamento a laser, entre outros. Cada unidade se dedica a um tema específico, atuando para aproximar as empresas de pesquisadores de ponta que trabalham nos próprios institutos e também em universidades parcerias.
“A inovação é feita nas empresas, mas ninguém inova sozinho, precisa de parcerias. A rede de Institutos SENAI de Inovação é o parceiro que a indústria brasileira precisa para ser mais competitiva”, explica o diretor-geral do SENAI, Rafael Lucchesi.
Os Institutos SENAI de Inovação foram criados a partir de 2013 e, apesar da proximidade com a academia, o perfil das pesquisas realizadas nos institutos é diferente daquelas realizadas nas universidades. “É uma questão de missões diferentes. Tudo que a gente faz aqui tem uma demanda específica de uma indústria ou de uma empresa que presta serviços para a indústria, como as startups. É uma diferença grande: apesar da gente fazer pesquisa, é uma pesquisa aplicada, o que significa que os problemas que a gente lida são sempre problemas reais, do ponto de vista que tem uma empresa demandando essa solução”, explica Sérgio Soares, diretor do Instituto SENAI de Inovação das Tecnologias da Informação e Comunicação, instalado em Recife, Pernambuco.
Paralelamente aos de inovação, foram criados os Institutos SENAI de Tecnologia, que oferecem serviços de consultoria e de metrologia para atender demandas com base em tecnologias já existentes –diferente dos Institutos SENAI de Inovação, que promovem soluções com base em tecnologias inovadoras. Os Institutos SENAI de Tecnologia oferecem serviços técnicos especializados, além de disponibilizarem laboratórios e equipe de mais de 1.200 consultores habilitados a atuar nas indústrias de alimentos e bebidas, automotiva, de construção civil, de couro e calçado, de papel e celulose, entre outros segmentos. Há 51 Institutos SENAI de Tecnologia em funcionamento no país, além de outros sete que estão sendo construídos. Como a ideia é que eles atendam setores industrias específicos, há Institutos SENAI de Tecnologia dedicados ao mesmo tema em diferentes cidades brasileiras.
“Os Institutos SENAI de Tecnologia estão instalados perto de grandes centros industriais. O de Maracanaú, por exemplo, foi criado para atender o polo industrial desta região do Ceará, que é forte na área de metalmecânica. Apesar do enfoque, já desenvolvemos projetos em diversos segmentos: desde o protótipo de instrumento para ajudar que navios soubessem com maior precisão sua localização até projetos na área alimentícia, desenvolvendo polpas de frutas sem glúten e sem lactose. O foco dos institutos é local, mas também atuamos em rede. Se um outro instituto tem necessidade de um atendimento que eles não têm a expertise lá ou a gente não tem a expertise aqui, a gente dialoga para buscar soluções”, detalha Raquel Morais, da equipe do Instituto SENAI de Tecnologia de Maracanaú.
De onde sai o dinheiro?
A Rede SENAI de Inovação e Tecnologia nasceu para fomentar a inovação na indústria do país, mas não resolve sozinha a questão do financiamento da pesquisa. O diretor do instituto das Tecnologias da Informação e Comunicação, de Recife (PE), diz que a origem das verbas é sempre o maior desafio na hora de começar um novo projeto: “É muito comum a gente se associar a uma startup e submeter o projeto a um edital que vai nos dar recursos financeiros e parte desses recurso banca o instituto. É como se o instituto desse musculatura para empresas pequenas, que não teriam capacidade de, sozinhas, gerar uma solução. O Instituto SENAI de Inovação está próximo da indústria e consegue testar soluções antes que elas cheguem no mercado”, afirma Soares, que já coordenou projetos de R$150 mil até projetos avaliados em mais de R$1 bilhão.
A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) nasceu em 2013 com o objetivo de fomentar projetos específicos da indústria, buscando aumentar a produtividade e a competitividade do setor. A entidade é uma é uma instituição social sem fins lucrativos vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e ao Ministério da Educação (MEC) e tem como diferencial não funcionar por meio de editais: empresários podem entrar em contato com a associação a qualquer momento, e o tempo médio entre o início da negociações e a liberação de recursos é de 2 a 3 meses. “É fundamental ter essa agilidade quando se fala em inovação. A gente precisava de um modelo flexível e ágil”, afirma o diretor de planejamento e gestão da Embrapii, José Luis Gordon.
A inspiração para a criação da Embrapii veio da Sociedade Fraunhofer, organização de pesquisa aplicada da Alemanha. A Fraunhofer foi criada em 1949 e possui 72 institutos e unidades de pesquisa espalhados pelo território alemão, empregando mais de 26 mil pessoas. No Brasil, para reduzir custos e permitir que a Embrapii saísse do papel rapidamente, o modelo foi adaptado: “A gente percebeu que não fazia sentido gastar dinheiro inicialmente com a construção de centros de pesquisa e com a capacitação de pessoas. Então cadastramos uma rede que reúne atualmente 42 unidades de pesquisa em tecnologia e inovação que já eram referência no país”, explica Gordon.
A Embrapii não custeia integralmente o valor dos projetos selecionados para receber fomento, apenas uma parte. O restante do valor é aplicado pela própria empresa que está buscando uma solução e pelas unidades Embrapii. Do R$ 1,4 bilhão que a entidade liberou para projetos até janeiro deste ano, 49,5% do total foram bancados pelo setor privado, 32,2% pela Embrapii e 18,3% pelas unidades de pesquisa que são parceiras. O diretor da entidade destaca que, esse movimento, aproxima o Brasil da linha seguida por países reconhecidos internacionalmente como inovadores, onde são as empresas que mais investem em pesquisa, tecnologia e inovação.
“Quando a Embrapii foi criada, a gente tinha um cenário em que os investimentos em P&D eram oriundos mais de recursos públicos do que de recursos privados. Isso mudou. Percebemos que, quando a Embrapii aceita investir uma parte do valor necessário para um projeto, reduzindo os riscos para o empresário, isso alavanca os investimentos privados. O resultado é que Brasil está se aproximando de tradição observada em países como Alemanha e Coreia do Sul, onde são as empresas que estão na linha de frente da pesquisa aplicada que resulta em novos produtos e novos processos”, defende Gordon. O projeto do sistema de monitoramento da barragem da Usina Hidrelétrica Dona Francisca, por exemplo, contou com recursos da Embrapii.
Dificuldades além dos recursos
A falta de dinheiro não é o único fator que explica o fraco desempenho do Brasil em levantamentos internacionais sobre inovação. Professor do Centro de Inovação da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EASP), André Querubini cita estudo do Banco Mundial para destacar outra dificuldade do país: problemas gerenciais.
“Uma empresa que está apagando incêndios todos os dias não consegue inovar. Países que conseguiram superar o paradoxo da inovação primeiramente adotaram uma gestão operacional otimizada, que funciona em todos os níveis e com baixo custo. A medida que elas ganham competitividade, elas começam a incrementar novos processos de inovação. É preciso saber fazer bem o arroz com feijão para adicionar outros temperos”, explica.
Esse é um ponto que está no radar da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI). Além de representar os interesses do setor industrial junto ao governo, a MEI leva grupos de empresários brasileiros para visitar centros de inovação que são referência no mundo. “O programa global de imersão já levou grupos de empresários para dez viagens, sendo nove no exterior. Neste ano vamos para a Finlândia e para o Japão”, detalha Ricardo Pelegrini, presidente da Quantum4 e um dos líderes da MEI.
As viagens englobam visitas a laboratórios e centros de inovação, mas também permitem que os empresários brasileiros aprendam como líderes industriais de outros países gerenciam problemas. “Já visitamos 160 instituições e queremos aumentar as viagens para trocas com empresas nacionais, porque acreditamos que há bons exemplos por aqui”, defende Pelegrini.
A série Caminhos da Indústria – desafios e oportunidades é produzida pelo Poder360, com apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI).