Oito em cada dez empresários reprovam o sistema tributário brasileiro, apontado como um fator de desestímulo aos investimentos no setor industrial. Os dados constam de uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com indústrias de todos os segmentos em diferentes regiões do país.
A reprovação faz sentido quando se sabe que somente para instalar uma siderúrgica no Brasil, por exemplo, o custo é 10,6% mais alto do que em outros países por causa de impactos diretos e indiretos dos tributos sobre bens e serviços.
"Significa dizer que as mazelas tributárias gerariam um gasto adicional de R$ 8 bilhões no investimento, considerando uma simulação que fizemos", diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, ao se referir ao estudo feito pela Ernst & Young para calcular o custo de instalação de uma siderúrgica aqui e lá fora.
O que pesa mais nessa conta é que existem tributos pagos que não podem ser recuperados ao incidirem nas aquisições feitas pela empresa ainda na fase de realização do projeto, como o ISS, o Imposto de Importação (II) e o IPI. Só esse grupo responde por 6% de aumento no custo final.
O adicional de 4,6 pontos percentuais (para chegar na soma total de 10,6% de impacto) vem das restrições para usar os créditos de tributos que podem ser recuperados (parcial ou integralmente) ao incidir em na fase pré-operacional.
No caso do PIS e da Cofins, por exemplo, os créditos só podem ser recuperados depois que a indústria entra em operação. No ICMS, também há limitações: a devolução dos créditos é feita em 48 meses, sem correção, após a unidade começar a operar. Na prática, uma empresa que realizasse o investimento (citado no estudo) levaria 15 anos para recuperar os créditos acumulados na fase de construção.
Desde 2000, uma lei complementar estabelece prazo de 48 meses para recuperar créditos de ICMS na compra de bens de capital (máquinas, equipamentos, material de construção e bens para produção).
"Bens de capital representam 1/3 da taxa de investimento total do país. Como podemos incentivar investimentos se a empresa tem que carregar por quatro anos um crédito tributário?", diz José Velloso, presidente da Abimaq, associação das fabricantes de máquinas.
Dan Ioschpe, presidente do Sindipeças, que reúne as indústrias de autopeças, tem a mesma avaliação. "Se a empresa está investindo, comprando uma máquina, tem que se creditar imediatamente. É natural tomar o crédito daquilo que gastou. No Brasil, esse processo é lento e funciona como se fosse a depreciação do ativo", diz.
O ICMS é considerado o tributo mais negativo para a indústria em todas as regiões e segmentos do setor, segundo a pesquisa da CNI. Como grande parte das indústrias exporta ou compra e venda para diferentes estados, nas vendas e nas compras interestaduais, os créditos vão sendo gerados e acumulados.
"Além de centenas de regimes especiais, a cada semana, em média, a legislação de ICMS de um estado sofre alteração", diz Ioschpe. "A reforma tem que simplificar a quantidade de alíquotas, tributar no destino e não na origem, o que deve acabar com a guerra fiscal que contribui para criar ainda mais distorções no sistema."
Para Carlos Abijaodi, diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, é preciso rever a tributação nos investimentos de bens e serviços de uma forma geral e principalmente os ligados à inovação.
"Quando a empresa compra um serviço técnico, o "know-how" de outro país, ele é fortemente tributado, com royalties. Isso cria barreiras para a tecnologia ser acessível e chegar a um preço melhor às indústrias que querem investir", explica o diretor, Abijaodi.
Impacto ao Exportar
Outra distorção é que alguns produtos exportados chegam a carregar até 7% de resquícios de tributos, dependendo do tamanho da cadeia produtiva.
Cadeias mais longas, como a têxtil e a automotiva, por exemplo, sofrem com a questão - porque os tributos pagos vão gerando créditos (não compensados ou devolvidos em parte) e se acumulando em cada etapa da produção. As deficiências do sistema encarecem os produtos nas etapas finais das cadeias de valor e limitam a competitividade do produto brasileiro.
Sem a perspectiva de retomada da economia e do mercado interno, a solução imediata é a exportação, diz o presidente do Instituto Aço Brasil. Por causa da crise, o setor industrial opera com capacidade ociosa média de 45% a 50%. "Mas como competir com outros mercados se exportamos impostos por meio dos resíduos tributários que nosso sistema não permite zerar?"
A indústria defende o aumento da alíquota do Reintegra, programa que incentiva exportações por meio da devolução de créditos tributários. A alíquota de 3% foi reduzida para 0,1% no governo Temer como parte de uma política de diminuir incentivos. Para a indústria, que disputa na Justiça a volta dos 3%, o programa é um instrumento de ressarcimento, não de benefício fiscal.
"Enquanto falamos em um mecanismo para ressarcir créditos de 3%, a China tem programa com alíquota de 17%", diz Mello Lopes.
O cenário pós-pandemia deve acirrar a disputa entre os países e as empresas exportadoras, o que vai dificultar a situação do setor industrial se a reforma tributária demorar para sair. "Todos os países já fizeram sua lição de casa, reformando sistemas tributários, trabalhistas e eliminando barreiras da burocracia", diz o diretor da CNI. "O país tem potencial para atrair mais investimentos, por suas condições estratégicas de localização, mercado consumidor, matéria e mão de obra. Mas pesam na balança as dificuldades da insegurança jurídica e da bagunça tributária."
ICMS é o tributo mais perverso para a indústria
Pesquisa divulgada pela CNI no ano passado mostrou que 42% dos empresários consideram o ICMS, de uma lista de sete tributos, como o mais prejudicial para seus negócios. "O pior imposto de todos é o ICMS. Cada estado arrecada de uma forma diferente sobre um produto que, por exemplo, já tinha sido tributado em São Paulo", disse Humberto Gonçalves, sócio da TecStan, fabricante de parafusos e materiais de construção que comercializa seus produtos em todo o país.
· Confira a Sondagem Especial 73 - Qualidade do Sistema Tributário Brasileiro.
Depois do ICMS, o PIS e a Cofins foram apontados como mais perversos, com 16% das respostas. Na pesquisa, que ouviu 2.083 companhias de diferentes portes, 41% dos empresários consideram o imposto em cascata, quando uma taxa compõe a base de cálculo de outra, como um dos principais problemas do sistema de arrecadação. Só perdeu em repostas pela "carga tributária total", vista como excessiva por 86% dos entrevistados (veja no fim da matéria).
A pesquisa constatou ainda que 79% dos empresários do setor consideram a estrutura tributária brasileira como "ruim" ou "muito ruim". O aspecto mais mencionado, com 89% das respostas negativas, foi o elevado número de tributos.
Dos entrevistados, 86%consideraram o sistema muito complexo e defenderam mais simplicidade.
SAIBA MAIS: Acesse a página de Estatísticas do Portal da Indústria e confira esta e outras pesquisas da CNI