A volta às aulas terá uma pegada diferente para adolescentes de alguns estados do país. Em vez das “disciplinas”, entram as áreas de conhecimento. Carga horária ampliada, foco no desenvolvimento das habilidades socioemocionais e noções sobre projeto de vida e carreira são algumas das novidades do Novo Ensino Médio, que deverá ser implementado em todo o país a partir do ano que vem, mas que já se inicia agora em muitas escolas do Brasil.
Em estados como São Paulo, Santa Catarina e Ceará, mais de 700 unidades das respectivas redes públicas adotarão a nova modalidade no início deste ano letivo. Pioneiro na adoção do Novo Ensino Médio, em 2018, o Serviço Social da Indústria (SESI) no fim de 2020, formará a primeira turma de 226 estudantes com diplomas de técnicos em Eletrotécnica. Esta foi a primeira modalidade oferecida no itinerário de formação técnica profissional, realizado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
Estados começam a adotar o novo modelo
No estado de São Paulo, este ano, 131 escolas públicas da rede estadual contarão com a formação técnica simultânea ao ensino médio, como forma de conectar educação com mercado de trabalho. Serão oferecidos cursos técnicos nas áreas de administração, contabilidade, técnico em marketing, logística e recursos humanos, entre outros. Serão 144 turmas e aproximadamente 5 mil alunos, em 99 municípios do estado.
De acordo com a Secretaria de Educação (SP) do estado, em março, será aberta uma consulta pública para receber contribuições que ajudarão a construir o currículo do Ensino Médio. O estado também já conta com orientação profissional para os estudantes da rede pública, nas escolas do Programa de Ensino Integral. Em 2020, este componente também será oferecido para alunos do 6º ano do ensino fundamental à 3ª série do ensino médio no ensino regular.
Em Santa Catarina, ao todo, 120 escolas-piloto aderem ao Novo Ensino Médio este ano, o que equivale a 16% da rede pública de ensino, que conta com 715 escolas que ofertam o Ensino Médio. Segundo a Secretaria de Educação (SC), em 2021, o objetivo é ampliar para 30% da rede no novo ensino médio, chegando à totalidade das escolas, em 2022. Segundo o órgão estadual, a rede pública já adota educação integral para adolescentes desde 2017, com carga horária ampliada e atuação por área de conhecimento, e módulos que buscam o desenvolvimento das habilidades socioemocionais.
Assim como a rede SESI, o estado firmou parceria com o SENAI para a implementação da formação técnica e profissional junto ao ensino médio. No Distrito Federal, essa mesma parceria já foi firmada com escolas da rede privada.
A Secretaria de Educação do Ceará informa que 460 escolas da rede pública estadual aderiram ao Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio, do Ministério da Educação (MEC). O estudo concomitante com a formação técnica, que já vinha sendo oferecido, permanecerá em 122 escolas estaduais de educação profissional. O estado também se prepara para ampliar essa oferta no ano que vem. “A secretaria vem em discussão com o Conselho Estadual de Educação (CEE/CE), inclusive com a participação de escolas privadas, a fim de construir entendimento para adequação à nova legislação do ensino médio”, afirmou, em nota.
Novo Ensino Médio contempla educação para o mundo do trabalho
A Lei nº 13.415/2017, que institui o Novo Ensino Médio, estabelece maior flexibilidade curricular, além da possibilidade da oferta de cinco itinerários formativos, com a inclusão da possibilidade de formação técnica e profissional.
De acordo com pesquisa do Ibope de 2016, 72% dos brasileiros são a favor de mudanças no ensino médio, 85% são a favor da ampliação do número de escolas com tempo integral, e 70% são a favor de que os estudantes escolham as matérias em que irão se aprofundar, já com vistas a escolher a área de formação técnica no ensino médio.
Especialistas em educação acreditam que as mudanças são necessárias, especialmente, se formos pensar na questão do elevado índice de desemprego entre os jovens, que, quase sempre, terminam o ensino médio sem perspectivas e sem ideias do que fazer no futuro. “O ensino médio é a última política universal que temos. Até esta etapa, todo cidadão tem direito a escola, mas, após isso, não temos nenhuma política”, afirma Ana Inoue, assessora de educação do Itaú BBA, lembrando que somente 20% dos jovens que terminam o ensino médio conseguem entrar numa universidade.
Ana destaca que o mercado de trabalho estará cada vez mais exigente, e que ninguém mais pode se dar ao luxo de parar de estudar e de se qualificar. “Se olharmos pro mundo de hoje, a formação continuada é uma questão de cidadania. Quem não tiver, está fora”, alerta. “Por isso, eu defendo fortemente o ensino técnico junto ao ensino médio”, explica Ana.
Em 2020, Novo Ensino Médio do SESI chega a 22 estados com mais habilitações técnicas
Em 2019, o Novo Ensino Médio do SESI foi ampliado para 19 estados, atingindo 38 escolas e 55 turmas. O currículo técnico-profissional do novo modelo, o chamado ‘itinerário formativo’, que no piloto trazia apenas o curso de técnico em Eletrotécnica, em 2019, passou a ofertar também habilitações em Redes de Computadores, Desenvolvimento de Sistemas e Mecânica, Matemática e Ciências da Natureza, para os 1.922 alunos matriculados. Para este ano, a proposta será expandida para escolas SESI de Sergipe, Paraíba e Pernambuco, chegando a um total de 22 unidades da Federação.
Além disso, a lista de cursos técnicos também será ampliada, com a inclusão de habilitações em Alimentos, Automação, Edificações, Informática para Internet, Logística, Mecatrônica, Meio Ambiente, Programação de Jogos Digitais e Química, totalizando 13 habilitações técnicas. A estimativa é de que, em 2020, aproximadamente 7 mil estudantes da rede SESI já estejam inseridos na proposta do novo ensino médio.
Percepções positivas sobre o Novo Ensino Médio
Os resultados obtidos até agora na rede SESI com a nova proposta são animadores: 9 em cada 10 estudantes aprovaram o novo método de ensino. Pais de alunos, incialmente receosos com o formato não convencional das aulas, também afirmam ser visível a mudança no comportamento dos filhos. “Era um mundo totalmente novo pra ele. Ele passou o primeiro trimestre, começou a ver como era, e, a partir do segundo trimestre, ele se tornou independente, porque, antes era a gente em cima dele o tempo todo”, conta o pai do estudante Rafael, do 1º ano do novo ensino médio, que comemora: “Hoje, ele se transformou, tanto na escola, quanto em casa, mudou bastante, e pra melhor”, afirma.
O diretor de operações do SESI, Paulo Mól, explica que o segredo está na capacitação e no estímulo aos professores. “Eles foram alunos num momento totalmente diferente do atual, e precisam dialogar com uma geração extremamente tecnológica, então, estímulo, capacitação e formação contínua são elementos essenciais para o professor de hoje”, defende, destacando que o Novo Ensino Médio do SESI incentiva a implementação de metodologias inovadoras que ampliam o uso de tecnologias, e estimulam o protagonismo dos estudantes. Estes são fatores fundamentais para prepará-los para o mundo produtivo cada vez mais tecnológico, digital e competitivo.
Acostumado a acompanhar estudantes do 1º ano que participam de torneios educacionais de robótica, o treinador de uma equipe do Distrito Federal, André Alcântara Silva, conviveu, pela primeira vez, com estudantes já inseridos na proposta do novo ensino médio e garante que eles tinham mais maturidade e preparo para lidar com os desafios da competição. “Com esses alunos, pudemos fazer uma dinâmica um pouco diferente porque eles já estavam adaptados à essas pedagogias ativas do novo ensino médio, e isso facilitou muito o processo de inserção deles dentro do projeto de robótica”, conta André.
Referência em educação profissional, SENAI oferece o itinerário de formação técnica
Com sua experiência de décadas no ensino profissional, o SENAI entra com a implementação do itinerário técnico, que vai sendo inserido aos poucos para as turmas, desde o 1º ano, e que tem grande parte de horas/aula nos anos finais. Para isso, foi feito um intenso processo de capacitação de professores, além da infraestrutura e dos materiais didáticos atualizados que asseguram uma formação técnica efetiva.
A introdução do conteúdo técnico vem acompanhada de orientações importantes sobre vida e carreira. O módulo denominado ‘Mundo do Trabalho’, de 200 horas, faz parte do currículo e busca desenvolver as competências socioemocionais, raciocínio lógico, lógica de programação e autoconhecimento. Além de colocar o estudante para pensar num projeto de vida e carreira.
“Neste módulo, os alunos têm contato com temas que serão o grande diferencial na hora de entrar no mercado de trabalho. É uma espécie de coaching de carreira”, explica Felipe Morgado, gerente de Educação Profissional do SENAI nacional. Segundo ele, neste módulo o aluno tem acesso a quais são as opções que ele tem na vida, principalmente na questão da formação técnica, que é pouco explorada no país, e que tem grande potencial de geração de emprego. “O ensino técnico é a porta de entrada para o jovem no mercado de trabalho”, afirma.
No Brasil, apenas 11% dos estudantes fazem curso técnico junto com o ensino médio. Em países da Europa, esse índice chega a 50%.